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e entusiasma a alma.

terça-feira, 6 de novembro de 2007


Perfil: Inez Lemos



Nasci numa fazenda do interior de São Paulo onde vivi até os 6 anos. Uma infância desfrutada entre animais e gente simples. Tudo brotava da natureza - dos alimentos às brincadeiras. Refrigerante e outros produtos industrializados eram raridade. Diversão era disputar corrida sobre cavalos, pescar lambari no riacho, capturar frango no quintal para matar e depenar, dormir em colchão de palha com as primas. Contudo, o destino de morar na cidade, a vida urbana e a promessa de progresso irrompem o sertão que habita em todos que lá nascemos.

Em São José do Rio Preto, morei até os 18 anos. Estudei num colégio de freiras onde sempre me sentia deslocada. Nunca gostei da cidade, tampouco do colégio cuja madre superiora sempre confundia meu nome. Fato que atestava discriminação e explicitava desconforto diante de uma sociedade de classes e racista. Por meu pai representar o lado pobre da família, era natural o desinteresse da religiosa. Encabulava-me a ausência de alunas negras e pobres num colégio que pregava religiosidade. Quando fiz 18 anos, saí de casa. Estudar fora era o sonho da maioria dos jovens daquela época. A moda era morar em repúblicas, fazer faculdade e conquistar a liberdade longe da moral “apregoada pela burguesia”. As palavras de ordens eram autonomia e independência. Sonhávamos em provar ao mundo capacidade em vivermos segundo desejos e escolhas. Com uma mesada apertada, parti para nunca mais voltar.

O roteiro iniciou-se por Ribeirão Preto, passou por Campinas e finalizou-se em Belo Horizonte. A meta era avançar na geografia da terra e da alma. Buscava um lugar onde pudesse viver distante dos valores estabelecidos pela tradição latifundiária. Admirava as famílias que cultivavam o hábito da boa leitura. O acesso aos livros exigia sacrifícios - caminhar alguns quilômetros debaixo de tórrido sol até a biblioteca pública. Nos livros descobria afinidades, legiões. Sempre reivindiquei da vida além de um bom casamento e filhos saudáveis. Idealizava tornar-me grande escritora, contudo nunca fui bem orientada e iniciei-me por portas equivocadas. Desejava cursar letras, mas demoveram-me argumentando que era “curso espera marido”.

Na UFMG concluí o curso de biblioteconomia iniciado em Campinas. Decepcionada, pois julgava que sairia expert em literatura, resolvi cursar história. O período era de efevercência política – ditadura militar na América Latina. Logo nos primeiros períodos do curso, iniciei-me como professora de história. A questão era se engajar em movimentos que denunciavam exploração e autoritarismo. Ideais que imperavam numa juventude aguerrida e esperançosa, norteada por uma consciência marxista e feminista. Destemida, juntava-me aos revolucionários e militava pelo fim da ditadura.

Em 1985, chocada com a apatia dos alunos de história de colégios públicos como privados, inicio o mestrado em educação na FAE/UFMG. O objetivo era pesquisar o desinteresse dos jovens (geração AI-5) pela política e pela história. Desinteresse que acabou se traduzindo em tédio, desalento e descrença que hoje culminam em atos de violência e criminalidade, deflagrando uma relação entre frustração e infelicidade.

Em 1995, já com uma carreira de professora em cursos de educação fundamental, graduação e pós-graduação, resolvo pensar um projeto para o doutorado. Perplexa com os rumos da educação na chamada pós-modernidade, decido pesquisar os fatores que estariam provocando a violência entre os jovens de classe média - famílias abastadas que se envolvem na criminalidade, brincando de espancar índios ou mendigos, prostitutas ou negros. Com um objeto demasiado subjetivo, acabei buscando na psicanálise subsídios teóricos para repensar a questão. Encantada com a contribuição desta, abandono o doutorado e completo a formação, iniciando-me no ofício de psicanalista em Belo Horizonte. O percurso transdiciplinar possibilitou-me uma leitura ampla e complexa sobre os sintomas - as chamadas patologias da falta e do excesso: bulimia, anorexia, toxicomania, obesidade mórbida, gravidez precoce, excesso de consumo, vícios cibernéticos (internet), desrespeito e intolerância (atos racistas), indisciplina, violência e criminalidade. Tentando expandir o campo de reflexão e contribuir com o desafio da educação na sociedade de consumo, passo a escrever artigos debatendo os sintomas da sociedade contemporânea. Depois de alguns anos publicando no caderno Pensar do jornal Estado de Minas, e no intuito de atender aos leitores, resolvo reuní-los no livro Pedagogia do consumo: família, mídia e educação (Autêntica). Tanto o blog quanto o livro resultaram de uma demanda dos leitores por orientação na condução da educação na atualidade. Desafios colocados pelo mundo da tecnociência e do espetáculo, midiático e desregulamentado. Com esse relato e cenário, evoco Pasteur: “Um pouco de ciência nos afasta de Deus, muito nos aproxima”.

5 comentários:

Balaio da Vivi disse...

INEZ, o curso "Amor na pós-modernidade" permanece fazendo história para além da nossa memória. Continue com sua força, seu brilho e sua alegria de viver ampliando nossas fronteiras. Parabéns pelo blog.
Viviane de Campos Moreira.

Anônimo disse...

Inez é muito maior que o retrato escrito que ela mesma fez de si, alinhavando o seu perfil.
Será preciso conhece-la mais e melhor para sentir o fenômeno que é essa mulher que "parte para nunca mais voltar", sem culpa. Caminha sempre altiva, para frente, sem voltar o olhar.
A gente se sente outra pessoa, sendo seu amigo. Nem melhor, nem pior mas, certamente diferente.
Obrigado, Inez, por ser minha amiga.

Anônimo disse...

Inez , boa tarde, sou Psicopedagoga, Palestrante e em formação Psicanalítica, gosto muito dos seus escritos e em especial amei Pedagogia do Consumo.Acabei de lhe indicar para dar uma Palestra na Rede Pitágoras e espero que dê certo. Os educadores precisam ter acesso a suas idéias.Parabéns! Jane Patricia Haddad(www.janehaddad.com.br)

Áurea disse...

Sou sua fã! Obrigada pelo alto nível da reflexão que você dissemina.

Anônimo disse...

"Doutora",

conhecê-la um pouco mais é gratificante!
Percebe-se que garimpar é uma atividade existencial e você a tem desenvolvido com sabedoria e magia!
Minha admiração e respeito.
Teresa Crstina