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quarta-feira, 30 de abril de 2008


A criança como patrimônio


Pesquisa da Unesp (Universidade Federal de São Paulo) com 800 famílias da periferia de São Paulo, relatada por Gilberto Dimenstein (Folha de São Paulo, 20/04/08), revela que 20% das crianças são vítimas de violência doméstica - espancamentos, asfixia, queimadura, entre outros. O que certifica que a violência contra crianças no Brasil tornou-se fato corriqueiro.

Há muitas outras Isabellas vítimas dos adultos. Crianças que morrem ou ficam marcadas pela insensatez, pela frieza e até pela loucura de quem deveria cuidar, dar proteção. E sabemos que a violência atinge também jovens e as classes mais altas. Pelos jornais e pelas ruas, presenciamos ou sabemos de inúmeras barbáries contra eles.

Segundo a senadora Patrícia Saboya, da Frente Parlamentar pela Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, entre 65 países, o Brasil é o que mais mata seus jovens. São 16 por dia! Como nos omitir diante de dados como esses? Qual a nossa responsabilidade? Como implicar, trazer o debate para dentro de nosso lar, para a nossa comunidade? Devemos nos posicionar, vigiar, indagar como vivem as crianças que fazem parte de nosso cotidiano – alunos, filhos dos empregados, vizinhos e amigos. Será que estamos comprometidos com o futuro de nosso maior patrimônio: as crianças e os jovens?

Dimenstein, que acompanha o assunto da delinqüência infanto-juvenil desde o final da década de 1980, afirma na mesma reportagem que “nem toda criança espancada vai para a marginalidade, mas quase todos os marginais passaram pela violência”. Contudo, muitos filhos tornam-se vítimas da própria família, passando de vítimas a culpados.

É importante refletir como nos relacionamos com os nossos filhos, muitas vezes, deixamos marcas indeléveis. Devemos valorizar cada etapa da criação, desde a amamentação. Todo gesto daquela que cuida do bebê é por ele registrado – a forma como a mãe oferece o seio ao filho, como ela fala com ele, o tom da voz. Uma criança terá maiores chances de crescer saudável quando ela reconhece que foi desejada pelos pais, sentindo-se confortável e segura pelos laços afetivos que a cercam. Relações que vão dizer muito de como ela será no futuro. Um adulto equilibrado, geralmente foi uma criança amada, acariciada. Diz da qualidade do afeto que recebeu – como foi respeitada em sua singularidade.

Em tempo, a madrasta que supostamente asfixiou Isabella, a garota que foi assassinada em São Paulo, (29/03/08), de forma brutal, o que revoltou a população, também foi vítima de violência por parte do pai. Mais um fato que constata que estamos vivendo uma epidemia da violência familiar. Como ajudar a contê-la? Epidemia que deságua na sociedade. Ao Estado, entre muitas outras medidas, cabe ampliar a discussão sobre planejamento familiar, socializar ainda mais os métodos contraceptivos, dar prioridade ao tema. A Senadora alerta que alguns importantes projetos não entram em votação. E a nós, o que cabe? Para começar, a reflexão: o que é ser um bom pai? Sem o comprometimento, sem a dedicação necessária, é possível participar da construção de um mundo melhor para nossos filhos? Ter filho exige maturidade, coragem para enfrentar obstáculos e frustrações. Exige doação, disposição, envolvimento. Requer dedicação para junto a eles debater temas como esses, livrá-los de preconceitos quando muitos julgam violentos e criminosos apenas o diferente - pobre, negro ou favelado.

Como bons pais, podemos ajudar a construir um país que valoriza e aposta no seu futuro. Como bons cidadãos, iremos nos sensibilizar com as milhares de vidas ceifadas precocemente. Não podemos simplesmente nos envergonhar com os números de vítimas da violência. Afinal, como define o filósofo francês Ruwen Ogien, “com a vergonha não vamos longe, é mesquinha, não nos move para uma ação positiva”. Devemos, sim, sentir um pouco de culpa, porque esta pode nos tirar do comodismo, nos mover para uma ação em direção ao outro. A criação de uma cultura de paz depende de cada um de nós, e isso não pode ser utopia.

domingo, 13 de abril de 2008


Educando meninas




Há algumas décadas, parecia mais fácil educar meninas. O caminho era prepará-las para a vida doméstica e torcer para que elas conquistassem bons maridos. Não havia muitos modelos femininos disponíveis. E os que existiam não eram muito alardeados. Raras mulheres ousavam acalentar sonhos e persegui-los, e as que a eles se dedicavam, eram consideradas loucas ou reconhecidas como más companhias para as moças tidas de família.

Ao longo do século 20, algumas mulheres mais ousadas e intempestivas, enfrentando preconceito e violência, abriram alas para as novas gerações. Na década de 60, o movimento feminista se organizou nos EUA e expandiu-se pelos países ocidentais. Lutaram por emancipação e liberdade. Queriam a equiparação aos homens em direitos jurídicos, políticos e econômicos - apesar das diferenças culturais, sexuais e subjetivas, procuravam se afirmar como indivíduos tão respeitados e valorizados quanto os homens.

O cenário mudou radicalmente. Muitas se destacaram profissionalmente, conquistaram searas masculinas. Assumiram seus desejos ou simplesmente se libertaram daquele tipo de opressão. Passaram a ver a maternidade como escolha e não mais como destino. O mito da mulher que só se realiza quando mãe caiu por terra.

Alguns fatos comprovam que a mulher soube se fazer respeitar, romper com o patriarcado; outros, que ainda vivemos numa sociedade em que a imagem da mulher “objeto de cama e mesa”, submissa ao poder econômico, pouco avançou. Cultuamos olhares para o corpo-mercadoria, exibido e cobiçado, e que forjaram a mulher-melancia, mulher- cerveja, que se deixam vender, explorar. Infelizmente é a própria mulher que anseia por vitrines, holofotes e bons cachês. Como nos alerta Frei Betto: “Estupradas em sua dignidade, elas são despidas em outdoors e capas de revistas, reduzidas a iscas de consumo na propaganda televisiva, ridicularizadas em programas humorísticos, condenadas à anorexia e à beleza compulsória pela ditadura da moda. As belas e burras têm mais “valor de mercado" do que as feias e inteligentes”. Contudo e apesar de tudo, é nesta sociedade que temos que educar nossas filhas, futuras mães!

Cabe aos pais ampliarem o olhar da filha sobre o mundo e as opções de vida. Muitas são as oportunidades que os pais podem incentivar e que não passam, necessariamente, pelo modelo apregoado pela mídia. Como fugir aos ditames do mercado? O desafio é mostrar que o mundo oferece espaço para todo tipo de mulher - a questão é expandir o foco, potencializar outras experiências, histórias e trajetórias. A questão é dar suporte às garotas na árdua tarefa de se descobrirem, valorizando singularidades, desejos, habilidades.

O complicado nessa história é justamente como provocar a mudança de foco - como reinventar um outro lugar, uma outra lógica nas cabecinhas das meninas e que fuja aos padrões da mulher boazuda e fútil. Quais valores norteiam mulheres como a poeta Adélia Prado? O mundo das artes nos reserva boas saídas. O mundo da criação, da auto-expressão é mágico, delicioso. Nada mais gostoso que se sentir capaz de produzir algo, poder nomear o resultado de um trabalho, sentir-se responsável por um processo criativo, seja ele em que campo for. Criar e fantasiar nos protege da loucura, faz bem à alma, alimenta e estimula o amor próprio. Apostar no talento e na capacidade de nos fazermos respeitadas e reconhecidas pelo que produzimos, é mais seguro que apostar apenas num belo corpo, frágil e efêmero. Além de mais nobre, bonito e merecedor.

sexta-feira, 11 de abril de 2008


Sindrome de Down e a angústia do pai


“A idéia – ou a esperança de que a criança vai morrer logo tranqüilizou-o secretamente. Jamais partilhou com a mulher a revelação libertadora. Numa das fantasias recorrentes, abraça-a e consola-a da morte trágica do filho, depois de uma febre fulminante”. Cristóvão Tezza, em O filho eterno, - romance com toque auto-biográfico de intensa beleza, sensibilidade e coragem - descreve a experiência de ser pai de uma criança com síndrome de Down, expondo as dificuldades em aceitar e assimilar tal realidade.

O homem dotado de capacidade de expressão, manejo nas palavras e no sentir, quando tocado nos subterrâneos da alma, produz coisas lindas e que dignificam a condição humana. Os fracassos são para ser explorados, vivenciados, ressignificados. Depois que fazemos a travessia, depois que enfrentamos o real que nos enoda e nos joga no limite de nossa capacidade de suportar a dor, transformamos a vergonha em arte, literatura. Ficamos forte e, redimidos, destemidos, damos ao significante o salto necessário. Saber ultrapassar os limites que, à primeira vista, escondemos, é sinal de nobreza no trato do sofrimento. Para o autor, “O fracasso é coisa nossa, os pássaros sem asas que guardamos em gaiolas metafísicas, para de algum modo reconhecer nossa medida”.

Cristóvão abre um debate franco e corajoso sobre a miséria humana, desmistificando imagens e vaidades ao revelar as fragilidades e imperfeições da existência humana. Sempre vamos ter que nos haver com errâncias da vida, seja por meio de um filho que nos chega com alguma deficiência ou certa dificuldade, ou por algo que em nós fraqueja. Contudo, o melhor é fazer como o autor - transformar a lama em ouro, preciosidade literária, artística. Sublimar - conferir à vida que malogra o estatuto de sublime exige coragem moral. Do sofrimento nascem belezuras.

Muitos pais procuram disfarçar a deficiência de um filho, tentam dissimular, esconder o desconforto e a vergonha de expor ao mundo o lado da vida que não saiu como desejavam. A tendência em esconder do mundo feridas e fracassos atribuímos à sociedade da perfectibilidade – uma cultura que não vê com bons olhos os defeitos e as diferenças. Somos treinados para aplaudir o bonito, o rico, o bem sucedido. O vencedor é sempre merecedor de palmas, pouco importa os meios utilizados para lá chegar. A vida que cultuamos é a que promete avanços e projeções. Ser bem sucedido significa ser portador de uma boa imagem, causar frisson, atrair holofotes, mesmo que seja sem fazer esforço, ou fazer por merecer.

O objetivo não é culpar os pais pela falta de habilidade em enfrentar esse mundo cada vez mais competitivo, em que as regras de mercado são violentas, rígidas e cruéis, mas contribuir no enfrentamento do problema. Quando os pais abrem o coração e aceitam falar, expor as angústias, raivas e pesares pelo que a vida lhes impôs de sacrifício, já é um bom caminho. Cristóvão, ao deixar-se deslizar pela angústia da qual foi tomado quando se viu pai de um filho com síndrome de Down, lança um novo olhar aos pais de crianças deficientes, tanto aos que julgam tal destino maldito, como aos que, por compaixão, os superprotegem. O melhor é achar uma forma de tratá-los com naturalidade, sem culpa e pena: “Quanto mais no chão ficar, melhor. Lembrava sempre de uma observação da clínica: freqüentemente os filhos dos pobres têm muito mais coordenação motora, agilidade, maturidade neurológica que os filhos dos ricos; a mãe pobre põe o filho no chão e vai lavar roupa, fazer comida, trabalhar – a criança que se vire. A mãe rica dispõe de colos generosos e perfumados, proteções de todo tipo contra o terror de infecção, babás cuidadosas, cintos de segurança, carrinhos, andadores com almofadas”.