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terça-feira, 25 de março de 2008


Ética na mamadeira


O garoto chega em casa com um celular diferente, a mãe logo pergunta a quem pertence. Responde que um colega o emprestara. No dia seguinte, na escola, um aluno denuncia que seu celular foi roubado. O garoto, temeroso, não assume o ato mais tarde desvendado por um colega que acabou relatando-o à coordenação. A família, querendo poupar o filho da vergonha de ter de se desculpar, transfere-o de escola.

É assim que se perde uma boa oportunidade para ensinar o que é ética. É assim que muitas famílias podem produzir um delinqüente ou criminoso. Errar é humano, contudo não submeter o infrator à correção e punição é eternizar o sujeito em atos perversos, fora da lei.

Muitas escolas estão apavoradas. Não conseguem impor disciplina e limites na moçada. Os alunos estão cada vez mais desinteressados, distantes e desconectados do mundo da ética e da solidariedade. O que deixa professores e pais incomodados é a falta de educação de alguns jovens. Muitos são espaçosos e cara-de-pau, não respeitam o desejo do outro - o dele sempre é mais importante, imperativo e urgente.

Ética passa pela alteridade, é quando o outro entra em cena. Para que a ética prevaleça numa comunidade, ela tem que conferir sentido. Onde está o sentido de se viver numa sociedade cada vez mais desleal, individualista e competitiva? A educação, quando centra apenas em interesses privados, descaracteriza interesses como solidariedade, honestidade e amizade, colocando em risco a vida na sociedade. Educação só se transmite com convicção, quando a maioria está convencida que priorizar o bem viver, a boa convivência - o respeito ao outro e à comunidade são valores supremos.

Cinismo é não assumir o erro e ainda querer dele tirar alguma vantagem. No Brasil do jeitinho está cada dia mais difícil cobrar da moçada ética e cidadania, uma vez que os exemplos que dominam o cenário político são os piores. Quando os pais reprovam a escola por aplicar sansão num aluno, eles contribuem para a formação de um contraventor.

A contravenção dos jovens deflagra a cultura perversa que sustenta o imaginário do brasileiro – as contravenções sociais dos políticos e dos pais desobrigam-nos de respeitarem as regras da boa convivência. Viver com o outro exige aprendizado, implica cumplicidade, desejo de compartilhar.

A crise de autoridade que vivemos denuncia uma falha no imaginário de pai. Qual a representação de autoridade que os filhos constroem ao ver um pai acobertando falcatruas? O pacto social é efeito do pacto edípico - a criança aprende em casa a suportar a frustração e renunciar ao desejo, como a obedecer aos limites e as leis que a vida nos impõe. Cabe à família inserir a criança na cultura, nas regras sociais. Sem a passagem da lei do desejo para a lei da sociedade, dificilmente vamos conseguir viver de forma civilizada. Hoje, com a maioria dos lares monoparentais – quando um dos pais é quem assume a responsabilidade pela educação - impor a lei, apontar os limites aos filhos tornou-se um desafio. Além de sobrecarregar aquele que exerce a função paterna, propicia que este atue de forma permissiva.

Na cultura narcísica e competitiva, a ética tende a se afrouxar. Nas famílias atuais, salve-se quem puder - a menos que os pais incluam, na mamadeira do filho, ética todo dia. Primeiro passo para um Brasil mais solidário, menos corrupto e violento.

segunda-feira, 24 de março de 2008


Preconceito e intolerância


Gays espancados na UFRJ e na UFMA. Casal de homossexuais feminino agredido pelo segurança na USP. Professor negro barrado ao entrar num evento em um clube de elite em BH. Prostitutas e empregadas domésticas espancadas por jovens da Barra da Tijuca no Rio. Índio queimado por jovens de classe média alta de Brasília. Casos relatados pela mídia que envolvem racismo, intolerância, homofobia e revelam uma sociedade que se sente no direito de agredir o outro, o diferente. Neonazistas?

De onde parte tanto ódio, tanta falta de respeito pelo negro, pobre ou homossexual? O preconceito é uma ideologia, uma visão de mundo que vamos adquirindo desde pequenos. Ninguém nasce preconceituoso. Uma criança educada dentro de valores éticos, cristãos, onde todos são iguais perante Deus e a lei (pelo menos é assim que nos reza a Bíblia), tende a crescer não se julgando melhor e no direito de ser violento com aquele que o desagrada.

Ao debatermos a gênese do racismo e do preconceito no Brasil, é bom lembrarmos que somos filhos da colonização, crescemos meio a escravos sendo mal tratados, espancados. Exibir quantos escravos possuía, era sinal de riqueza. O luxo e o supérfluo seguidos de ostentação, certo perfume de classe, integravam o cotidiano do homem moderno. Ser importante era exibir uma posição, gozar de privilégios, sustentar uma superioridade econômica, social ou étnica, tal como hoje.

O maior índice de jovens que demonstraram intolerância e preconceito contra os homossexuais foram detectados entre os alunos do curso de direito da UFRJ (Revista Megazine - O Globo - 19/02/08). Em pleno século 21, muitas famílias criam os filhos cultuando a crença na eugenia - supremacia de um povo sobre o outro. É lamentável constatar que a humanidade, e neste particular o brasileiro, recua alguns passos atrás ao jogar na sociedade jovens preconceituosos, racistas ou homófobos - futuros advogados e juízes preconceituosos.

É importante mudarmos a postura diante dos filhos, abrindo espaços, rompendo fronteiras, preconceitos e discriminações. Erradicar feridas que mancharam a história de muitas nações. Conversar com eles sobre racismo, homofobia, neonazismo. Compreender que um artista pode ser tão honroso quanto um engenheiro ou médico. Há pais que não toleram que o filho demonstre interesse por atividades que não estejam inscritas no mundo masculino como futebol, judô, basquete. Em muitos lares, em plena era tecnológica, quando a informação corre mundo, muitos pais se julgam no direito de interferirem na subjetividade do filho, impondo escolhas, interesses e desejos.

Um jovem pode perfeitamente ser feliz sendo homossexual ou exercendo atividades que ainda pertencem ao imaginário feminino, como bailarino, cozinheiro – aliás, profissão que está na moda e valorizadíssima. Importa que ele seja feliz, profissional ético e escrupuloso. Contudo, é sempre bom lembrar que “o moralista condena para se absolver”.

Cabe não somente à família mas também às escolas trabalhar com a diversidade, incentivar a convivência com o diferente, criar atividades que envolvem um maior número de grupos de diversas etnias e classes sociais, desenvolvendo a tolerância e a convivência com o outro, o não igual. Afinal, ser diferente não significa ser doente.

sexta-feira, 7 de março de 2008


Vigilância e irresponsabilidade


A escola, preocupada em manter a disciplina, decide instalar câmeras nas salas de aula e conta com a aprovação da maioria dos pais. Pela internet, podem espiar os filhos. A intenção é boa, uma vez que escolas e pais, hoje, lutam para que a moçadinha contenha a faina, se acalme e estude. Mas esse é o melhor caminho para a formação do sujeito autônomo e consciente de seus atos?

A educação disciplinar do século XVIII vigiava e punia. Jeremy Bentham a descreveu em O panopticon onde analisa o mecanismo de controle apregoado pelas escolas, hospitais e prisões – modelo arquitetônico que possibilitava uma visão panorâmica. Michel Foucault, em Vigiar e Punir, retoma a questão e nos alerta sobre o olhar do poder e seus dispositivos de controle, quando a biopolítica, por meio do saber/poder, disseminou-se nas instituições.

O mundo escolar seguiu o modelo disciplinar do mundo industrial, coibindo e educando para a produtividade e rentabilidade. Contudo, quando instaura-se um clima de desconfiança, sofisticam-se os métodos disciplinares, dominando desejos e pulsões. A perfeição da vigilância tornou-se uma soma de malevolências.

Se o mercado de trabalho na atualidade exige, cada vez mais, indivíduos criativos e autônomos, que tenham iniciativa e que busquem saídas para situações inéditas, colocadas pela globalização e pelas novas tecnologias, como concordar com tamanha tutela? Uma criança, para desenvolver o senso crítico e a autonomia, deve, desde cedo, aprender a responder pelos seus atos. Responsabilidade é isso – assumir os erros, reconhecer as falhas sem se envergonhar e enfrentar os fracassos que fazem parte do processo de maturidade e crescimento do ser humano.

É compreensível os pais ansiarem pela segurança dos filhos, como também desejarem ampliar os dispositivos de controle e proteção sobre eles. Medidas que propiciam certo conforto interno, sensação de missão cumprida, alívio diante da culpa que muitos carregam pela falta de tempo e dedicação, ou pelo excesso de permissividade.

Entretanto, para conhecermos melhor os alunos é necessário espionagem? Como operar na formação de cidadãos conscientes, autônomos? Autonomia - ato de falar por si, responder pelos atos - fruto de um processo de idas e vindas, conversas e combinados, erros e acertos. Querer obter de forma precisa e rápida um relatório de conduta de um filho, nos lembra ações de polícias e de governos totalitários. Há formas menos invasivas e paranóicas de conhecer o mundo em que as crianças vivem. Não podemos aplicar nos filhos métodos opressivos que não gostaríamos para nós e que ferem a privacidade. É claro que cabe aos pais e educadores lançarem mão de normas disciplinares. Educar é uma prática social na qual se deve, desde cedo, inserir as crianças. A melhor forma de ensinar é por meio de exemplos - transmitindo nas atitudes valores e concepções de mundo que irão se perdurar.

Quando agimos de forma inadequada, tal postura poderá repercutir na vida dos jovens, interferindo e influenciando-os. Contudo, não podemos incentivar ações que ferem o Estado de direito, a liberdade de escolha e de defesa.

E por mais que pais e escolas queiram monitorar cada passo dos filhos, será impossível. O importante é construir uma relação de confiança, fomentando o senso de responsabilidade, levando-os a responderem pelas atitudes e escolhas. Inevitavelmente, aprendizagem implica em fracassos, atos impensados que fazem parte do processo de maturidade - sem os quais eles poderão prolongar-se em atitudes infantilizadas e inconseqüentes. Educar para a autonomia e a maturidade convoca o olhar do outro, que deve ser de confiança, reconhecimento, aposta na capacidade do indivíduo se assumir enquanto sujeito desejante. É quando aprendemos a nos ver como sujeitos de nossos atos, assumindo-nos. Percurso que nos desvencilhará dos temores, e nos ajudará a admitir os erros e a sonhar com os acertos.

Estamos diante de um paradoxo – a sociedade tornou-se vítima da falta de lei aos jovens? A permissividade em excesso atropela e compromete a liberdade individual, perdurando condutas infantilizadas e irresponsáveis? Questões a se pensar.