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Amor urgente e necessário chega de graça,
e entusiasma a alma.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008


O Tempo no amor


Quem conduz o tempo no amor é o desejo. Para que uma relação amorosa aconteça é necessário que os envolvidos estejam desejosos do amor. O amor, como a vida, requer boa vontade para deslizar, fluir. Amar é escorregar, despencar sentimentos. Aspirar ao amor é preparar a alma para que ele entre e se instale como hóspede esperado, aguardado. Significa colocar-se disponível para uma experiência em construção - que implica paciência, trabalho. Implicar no amor é cuidar, lutar para que a relação se amplie, desenvolva e produza bons momentos. Felicidade a dois, mais que mistério e presente divino, é experiência que exige envolvimento de ambas as partes. Contudo, é muito importante que os interessados no amor tenham tempo para ele, tempo para esperá-lo crescer, amadurecer, acontecer. O amor é como um relógio que pára, anda para trás e depois volta a funcionar. O tempo no amor é um tempo sem tempo, um outro tempo diferente do tempo do trabalho, da produção. Amar é dar corda no relógio (do amor), cujas batidas saem do coração. O amor é lento, preguiçoso - ele vai, volta e segue a lógica da fantasia, que quase sempre é sem lógica.

No filme O amor nos tempos do cólera, Florentino Ariza espera 50 anos para concretizar seu sonho – levar para a cama a bela Fermina Daza – paixão que cultivou durante toda a sua vida. Quando, finalmente, os dois se viram livres e desimpedidos para assumirem o amor ao qual estavam condenados, quando o grande encontro se realiza, o tempo pára, hasteiam-se as bandeiras, o barco desce o rio num percurso diferente, sem paradas. O grande personagem da viagem não era mais a mercadoria - o econômico tornou-se secundário. Se para o capitalismo, tempo é dinheiro, para o amor não há dinheiro que compre o tempo de amar, tempo precioso, guloso – no amor, todo tempo é pouco.

Já o tempo no amor cibernético, amor velocidade, tecnológico, é mínimo. O amor com tempo corrido é amor também mínimo, minguado, nanico, miúdo. Hoje a moda é ficar pouco tempo com o outro, tempo apenas para explorar seu corpo, extrair alguns minutos de prazer. Enquanto Florentino esperava Fermina, ele ficou com várias mulheres, soube viver os prazeres do sexo, mas nada que pudesse comparar com o êxtase da noite em que conduziu Fermina ao leito do amor. Acredito que o feito maior do romance de Gabriel Garcia Márquez, e que Mike Newell transportou para o cinema, foi ter transformado o amor num acontecimento épico, verdadeira epifania. O amor nos tempos do cólera é uma ópera ao amor. Ele deixa de ser um encontro entre duas pessoas para se afirmar como um fundamentalismo afetivo, amoroso - algo que funda o sentido da vida e reforça a crença no humano. Talvez o único fundamentalismo aceitável.

Garcia Márquez homenageou os que reverenciam o amor e que a ele dedicam suas vidas. Sem convicção dificilmente vamos saber o que é o amor, tampouco correr o risco de sermos contaminados por sua magia. Eis um filme que enaltece a sabedoria dos amantes - aqueles que transformam a experiência do amor num plano de metas, numa agenda íntima. Cultivar o orgasmo como metáfora de vida - acreditar nos insights que emergem da alma é mais que arte, é surfar no tempo do coração - e que só faz bem às coronárias.

O Tempo no amor deve ser uma criação entre enamorados, diferente da corrida frenética ao prazer fugaz, amor fast food, que mais machuca que ajuda. Talvez o amor banal dos tempos de agora explica o aumento da depressão entre as garotas. Sem se sentirem desejadas, amadas e reconhecidas, caem no desalento. Pura devastação.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008


Crianças sobrecarregadas


O garoto chorava todos os dias antes de ir para o judô. A mãe, convencida de que esta era a atividade ideal para ele, avaliou o comportamento como manha, birra de criança. Certo dia, conversando com o professor, este a aconselhou suspender e tentar descobrir qual esporte ele mais se identificaria. E aproveitou para reforçar que cada criança é única, com escolhas distintas das outras, portanto, o melhor é não forçar, caso a atividade não esteja fazendo bem ou trazendo alegria.

É compreensível os pais quererem ocupar os dias dos filhos com atividades extras escolares. A maioria das famílias mora em apartamentos sem uma área de lazer e não contam com profissionais qualificados para cuidarem das crianças. Para muitos pais, ocupar o filho significa tranqüilidade, segurança - a certeza de que ele não está na rua, tampouco em casa assistindo a programas inadequados à sua idade, ou diante de um computador.

A infância é uma etapa da vida em que a criança inicia-se como pessoa, é quando ela começa a construir-se internamente, se descobrindo e se fazendo nas brincadeiras e vivências lúdicas. É muito importante incluir nas agendas infantis o brincar. É através das brincadeiras que a criança desenvolve o potencial criativo. Brincar, fantasiar, criar – experiências que propiciam o contato do sujeito com sua interioridade. Num processo criativo, a criança desenvolve a sexualidade e adquire maturidade emocional. Brincar é criar com a fantasia, colocá-la na ação. E a criação é uma das coisas que certifica que a vida vale a pena.

Criança feliz é aquela que, desde pequena, se reconhece naquilo que faz. Nada mais entediante que executar tarefa que não nos diz respeito. Mais importante que preencher o dia do filho, é os pais, juntos a ele, escolher atividades que lhe propiciam satisfação, respeitando singularidades, interesses. Criança feliz é mais importante que criança atarefada, sobrecarregada.

A quem interessa uma agenda infantil cheia e sem tempo para desfrutar das delícias de ser criança? Cabe aos pais e educadores refletirem, questionando os excessos de atividades a que muitas crianças estão submetidas. A necessidade dos pais em tamponarem todo o tempo livre do filho não reflete uma resistência ou dificuldade destes em se ocuparem dos mesmos? Lembramos que nenhum esporte, nenhuma dança irá substituir o contato da criança com os pais. O tempo de convívio dos pais com os filhos é fundamental e irreversível. Para tanto, a família deve incluir na agenda conversas, leituras e brincadeiras.

A sociedade de consumo, midiática, tende a copiar estilos, levando o indivíduo a esquecer que cada qual deve construir o seu. Viver é mais que cumprir um plano de metas, rígido e burocrático. O cotidiano urbano, frenético e turbulento, muitas vezes impede que o sujeito se reconheça nos intervalos, nas hiâncias. É quando algo falha que o sujeito emerge - quando paramos para pensar e nos reinventar. Somos contaminados por uma multidão de aspectos e experiências culturais que cercam a vida, cujo desafio consiste em saber identificar o traço, aquilo que nos diferencia dos demais. Para Freud: “Não existe uma chave de ouro que sirva a todos, cada qual terá que descobrir, à sua maneira, como se salvar”.

A questão não está em quantas atividades matricular o filho, se ele deve fazer ou não judô, mas em saber equacionar a atividade com o desejo da criança, respeitando seu estilo, suas afinidades. Somente assim ela irá entrar em contato com o fogo interno, desejo incendiário que produz belezuras. Para Montaine, filósofo francês: “Instruir uma criança não é como encher um vaso, é como acender uma fogueira”.


Criança hiperativa ou estimulada?



Uma mãe chega ao consultório preocupada com o descentramento do filho - dificuldade em se concentrar, agitado e com fraco desempenho na escola. Sintomas que a conduziram ao médico que o diagnosticou de TDAH (Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade). O objetivo, neste particular, não é julgar o diagnóstico em si, mas refletir sobre os fatores que podem favorecer a falta de atenção e o excesso de ansiedade nas crianças atuais.

O mundo está cada vez mais inseguro e violento. Boa parte da população vive estressada e insatisfeita. A insatisfação, como a frustração, gera angústia e ansiedade. Ansiedade aponta para o medo e a insegurança. Nos lares contemporâneos nem sempre há um clima onde crianças possam transitar e brincar de forma tranqüila – explorando interesses e desejos.

O ato de brincar requer envolvimento - é mergulho na fantasia. Fantasiar e brincar são complementares e estruturantes do sujeito, requer ambiente propício para que a criatividade se opere e promova a sexualidade e o desenvolvimento psíquico. Num ambiente tenso, barulhento e desarmônico entre pais e filhos, de desrespeito e desacato às ordens familiares, dificilmente as crianças crescem e se desenvolvem de forma equilibrada, serena. A chance do descompasso dos pais refletirem nos filhos é grande - muitos dormem e acordam ao som da TV ou de músicas barulhentas. Não é por acaso que Bach, Beethoven e Mozart não são mais tão apreciados. Vivemos a república do entretenimento.

No Brasil, os pais contam com uma sociedade de mercado truculenta, uma TV mal regulamentada. É na lógica da cultura e do consumo de massa que as famílias estão inseridas. Muitas crianças crescem expostas aos modismos, circulando pelos shoppings, distantes de uma proposta de civilização. Toda família deve ter uma proposta clara para nela apoiar a educação dos filhos. Educar é uma arte - requer sabedoria, paciência e implicação. Se implicar é quando os pais se convencem da importância, para a criança, de uma educação orientada e regulamentada. Pais comprometidos com o futuro do filho e sua felicidade não medem esforços em decidir: qual escola matricular, amizades incentivar, alimentos oferecer, programas de TV assistir. Quais atividades lúdicas e de lazer propor aos filhos é desafio que a sociedade de mercado nos coloca.

Educar é também ampliar as oportunidades de expansão da criança no mundo, promovendo seu desenvolvimento intelectual e psíquico como: literatura, teatro, museus, concertos e shows. Cabe aos pais se informarem para, com sabedoria, ter clareza em que mundo pretende inserir o filho – em quais valores gostariam de formá-lo. Pais aflitos e estressados, filhos hiperativos, irrequietos e sem lugar. Talvez a TDAH (Déficit de atenção com hiperatividade), tão em moda nos dias atuais, não passa, na maioria das vezes, de um sintoma da sociedade de consumo, violenta e estressada. Lares desorientados, barulhentos, alunos possivelmente indisciplinados e irrequietos.

Embora não exista até o momento uma causa específica no diagnóstico da TDAH, há uma tendência em atribuir às lesões neurológicas, desconsiderando as questões emocionais que podem provocar um desconforto, culminando em inquietação, agitação. A mania phármakon revela uma tendência do uso abusivo de medicalização. Sintomas como tristeza, muitas vezes é diagnosticado como depressão, enquanto outros como ansiedade, aflição, acabam sendo rotulados de hiperatividade. Muitos pais, influenciados pela ambição psicofamacológica e aflitos em nomear e aliviar o sofrimento, acabam pressionando os médicos por um diagnóstico rápido.


Que tal os lares promoverem experiências que privilegiam e viabilizam a concentração? Com certeza, as crianças, mais tranqüilas, se iniciariam em brincadeiras, mergulhariam em fantasias, embaladas em devaneios e viagens edificantes. Contudo, lembramos que a infância é uma fase em que os baixinhos estão expostos a muitos estímulos e se excitando diante de situações diversas. Criança estimulada dificilmente consegue ficar parada.