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segunda-feira, 18 de agosto de 2008


Rivalidade entre irmãos


Na piscina de um clube, um pai se deliciava com sua pequena filha aprendendo a nadar e fazendo outras gracinhas. O filho de 10 anos também tentava ganhar atenção: “Pai, olha como o passarinho nada”. E a irmã, mais que depressa, fazia algo para garantir olhares exclusivos, e conseguia. Outras tentativas vieram: “Pai, olha como o passarinho mergulha”. Mas o olhar do pai não desviava da menina. Por fim, o menino desistiu, ficou a brincar sozinho em um canto.

Quando os pais privilegiam um filho, ou demonstram uma preferência por um dos filhos, quais os sentimentos que podem surgir entre os irmãos? Inveja? Ciúmes? Raiva? O mito de Caim e Abel nos ajuda a refletir sobre esse fato. Abel, um pastor, ofertou uma ovelha a Deus. Caim, lavrador de campos, ofertou parte de uma safra. Deus agradou-se da oferenda de Abel, mas não de Caim, que zangado com o favoritismo e sem poder descarregar sua raiva em Deus, mata o irmão.

A injustiça de Deus, nesse caso, gerou uma rivalidade entre os irmãos. Nas famílias, a preferência, o favorecimento de um filho pelo outro faz eclodir disputas que podem gerar problemas graves. Quando uma criança ou um adolescente se vê preterido, menos amado pelos pais, julgado menos bonito ou inteligente, sente raiva e costuma descarregá-la indevidamente. Ainda incapaz de conversar sobre a mágoa, de manifestar sua tristeza, de reivindicar e conquistar igualdade, acaba deslocando o alvo para o irmão. É quando surgem palavrões e outras agressões - atitudes que merecem ser melhor investigadas pelos pais, pois frustração e insatisfação costumam gerar violência e devem servir como alertas.

Todo indivíduo deve aprender a suportar as frustrações, afinal, os pais não possuem sentimentos iguais pelos filhos. Sabemos que o mundo não é igual para ninguém - cada um é um, e por mais doloroso que isso seja, devemos crescer dando conta das diferenças. O que não significa que elas devam ser escancaradas. Há várias formas dos pais lidarem com as preferências - com habilidade, procurando compensar por um lado, ressaltando aspectos positivos de cada filho para que nenhum se sinta rejeitado. O sentimento de rejeição é terrível e pode deixar marcas indeléveis, que poderão prejudicar o sujeito por toda a vida, caso não seja tratado - falado, explicitado, elaborado, analisado.

O filho preterido pode crescer sentindo-se inferior, com a auto-estima baixa, o que é danoso. É um campo que se abre e que geralmente se traduz em um sujeito infeliz, espalhando ressentimento pela vida afora. Gostar de si, aceitando-se com as imperfeições e limitações, é um percurso a ser construído desde a infância e requer o afeto dos pais.

Contudo, por mais difícil que seja, os pais devem procurar ser justos com os filhos, dividir as atenções e carinhos, tentar não discriminar nenhum deles. Sabemos que é encantador uma criança pequena, tudo que ela faz tem sua graça. O jeito que fala, sorri, anda, pula e corre. O que é desengonçado torna-se bonitinho. Mas toda criança tem sua beleza, aliás, todo indivíduo esconde algo que pode ser explorado e admirado, mas para tanto requer olhares de admiração de um outro.

É o outro que nos confere identidade, singularidade. O processo de subjetivação passa pelo outro, esse todo poderoso que nos nomeia. Toda criança depende do olhar de aprovação dos pais, olhar de reconhecimento - aquilo que vai ajudá-lo a construir um sentimento próprio e que pode ser de amor ou de ódio, de acolhimento ou de rejeição.

Rivalidades sempre haverá. São situações que fazem parte da condição humana e os pais não precisam se culpar por elas. Importa assumir e aprender a lidar melhor com tais incômodos. Antipatias, incompatibilidades sempre existiram. A sociedade excludente, que privilegia o belo e discrimina o feio, também colabora para aumentar ainda mais a rivalidade entre os indivíduos. Quem nunca presenciou elogios a uma criança sendo ignorada uma outra ao lado? A maternidade e a paternidade responsável exigem dos pais posicionamento. A construção de relações mais harmoniosas e humanas, menos injustas e que poderão garantir saúde psíquica aos filhos, depende da disposição e da capacidade da família para enfrentar os problemas – desafios da vida em sociedade.

terça-feira, 5 de agosto de 2008


Mitos e transtornos


Transtornos - é uma questão genética ou psicológica? Modismo ou sintomas que revelam aspectos subjetivos que dizem do sujeito e de sua história de vida? O que subjaz a tudo isso? Vivemos uma tendência de justificar as doenças pelo mau funcionamento do cérebro. O mercado dos psicofármacos vem crescendo a cada dia confirmando que as pessoas estão reverenciando a medicalização. Da ritalina à fluoxetina, a mania é apostar na neuropsiquiatria. É a prevalência do corpo biológico sobre o corpo erótico.

Certamente, em alguns casos, a medicação tem a sua indicação. O que assistimos, contudo, é mais uma tentativa de classificar e enquadrar os sentimentos. Vivemos a onda dos diagnósticos, tudo tem que ser rotulado e nomeado rapidamente. A pressa em diagnosticar, desresponsabilizando o sujeito pelo sintoma, nos faz questionar o que tem contribuído para a proliferação dos transtornos e síndromes.

Dispersão, impulsividade, agitação e desatenção podem ser sintomas do TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade), ou sinais de um sofrimento maior que afeta a adaptação social? Para que uma criança apresente um bom desempenho na escola, se desenvolva de forma saudável, ela necessita de um ambiente familiar favorável. Vários são os fatores que podem atuar no corpo psíquico comprometendo a aprendizagem.

Uma criança que vive num ambiente transtornado, barulhento e sem clima propício para estudar, ler, se concentrar, acaba expressando o desconforto. É quando qualquer coisa passa a irritá-la. Uma criança irritada é uma criança em sofrimento. Importa mais descobrir como estabelecer um vínculo de confiança que viabilize ela falar, do que apenas diagnosticar ou nomear o seu sofrimento.

O conceito de transtorno é complexo e controverso. Maria Luisa Salomon, mestre em psicologia, em entrevista à revista Encontro, afirmou suspeitar do diagnóstico de TDAH. Em 30 anos de experiência só teve um caso que considera realmente como tal. Aos adultos, cabe aqui uma reflexão, afinal quem não foi ou teve colegas super agitados, desinteressados pelos estudos e que se tornaram ótimos profissionais?

Quando uma pessoa presencia um fato desagradável, uma tragédia, ou vivencia uma perda, ela pode sintomatizar de diversas formas. Contudo, se o que ocorreu não for elaborado, falado, se a criança não vivenciar o luto pela perda ou não trabalhar o incômodo, ele retornará bloqueando e dificultando a aprendizagem.

TV, celular, computador, vídeo game, DVD, Ipod. Muita tecnologia e pouca gente. Muitos são os recursos que fazem parte do cotidiano da moçada e que, em excesso e sem regulamentação, podem prejudicar o desenvolvimento cognitivo. A criança moderna é solitária, cresce avulsa, há poucos irmãos na jogada. A média das famílias de classe média é de 1 a 2 filhos. As relações interpessoais sofreram um abalo, um empobrecimento afetivo, simbólico e intelectual.

Infância é tempo de criatividade, é quando ela interage com outras, desenvolve a auto-expressão e potencializa sua inventividade. Criança requer cuidados e atenção, gente para vetorizá-la, ser referência e plantar raízes. Criança não adquire uma concepção da vida sozinha - necessita de uma formação rica em bons exemplos, boas companhias. Contudo, o tempo com os pais é fundamental - tempo de rolar no tapete, tempo lúdico e afetivo. É quando ela vai se sentir protegida e acolhida por aqueles que cumprem com a função paterna. Sem isso, ela pode se sentir angustiada, incomodada, irritada.

A escola deve dar ouvidos à fala do aluno, orientando os pais na condução do tratamento, que deve priorizar uma mudança de atitude para com ela. Sem entender é difícil mudar, sem mudar é difícil melhorar. A harmonia interna só será conquistada numa relação de afeto, respeito e confiança. Não podemos tomar a manifestação do problema como se fosse o problema. Como formarmos cidadãos criativos, autônomos e equilibrados? Talvez a saída esteja em dar ouvidos ao que não está bem, pois onde tem doença, tem sujeito e histórias de vida. Reivindicar o direito à singularidade é uma forma de reivindicar sanidade. Entre mitos e diagnósticos, há muita criança solitária, mal compreendida e infeliz com uma educação tecnológica, fria, terceirizada.