Bem-vindo

Amor urgente e necessário chega de graça,
e entusiasma a alma.

terça-feira, 17 de junho de 2008


Rivalidade feminina



O caso Isabella - a menina que, supostamente, foi asfixiada pela madrasta, e jogada pelo pai janela abaixo em São Paulo (29/04/08), provoca reflexões. Ao levantarmos questões e suposições, deparamos com uma infinidade de aspectos da sexualidade humana. Como explicar o que levaria um pai e uma madrasta a se envolverem em um assassinato de uma garota de 5 anos? Será que houve uma falha na metáfora paterna?

Toda criança, para crescer consciente da responsabilidade de seus atos e dos limites que a vida nos impõe, deve ser inserida na civilização - barrada e frustrada em seus desejos, impulsos e caprichos. Quando o sujeito infringe a ordem e comete um crime, o que se apresenta é uma falha na instauração da lei - falha na capacidade de apontar um ponto de basta interditando o sujeito em seu desejo. Tudo vai depender da forma como os pais sancionam a intervenção, funda a lei e instala a ordem, a autoridade. Castrar é limitar, é introduzir a frustração por meio da repressão, da interdição. É quando aprendemos, desde pequeno, a suportar os obstáculos da vida. Caso ela fracasse, agimos como donos do mundo, irresponsáveis (não respondendo pelos nossos atos), desrespeitando e descartando os que obstruem o nosso caminho, nos incomodam e nos irritam.


Isabella metaforiza a intrusa - intrometia e atrapalhava a madrasta na sua relação com o seu homem. Essa, irritada, resolve se livrar desse outro que excedia. A tela da janela, ao romper, simboliza a falta da lei na vida do casal. É ela que freia o sujeito em seus ímpetos, impedindo-o de cometer asneiras. O sujeito, no desespero e movido por uma urgência pulsional, passa-se ao ato – assassinatos e suicídios. O despreparo do casal diante dos obstáculos, limites e frustrações, tanto aponta o fracasso da função paterna como levanta a questão da rivalidade feminina.


Cinderela e Branca de Neve foram vítimas do ódio feminino. Elas provocavam inveja, ciúme, incomodo e ressentimento. Ao tentar investigar a rivalidade feminina, é importante enfrentar os entraves que, historicamente, foram responsáveis por muitas desavenças entre sogras e noras, madrastas e enteadas, mães e filhas. Muitos são os enigmas que envolvem a sexualidade feminina. A mulher, ao não portar em seu corpo o representante universal do falo (pênis), imprime em seu imaginário uma ausência. Ela traz no corpo a marca da falta (incompletude), o que pode eternizá-la na insatisfação. Daí pra frente, a mulher vai ter que fazer acordos com essa falta que provoca insegurança - buscar outras instâncias de poder e realização que lhe garanta um lugar – uma subjetividade, uma identidade. Toda mulher terá que construir uma posição na vida, uma forma de se sentir realizada e reconhecida. Caso isso não aconteça, ela corre o risco de cair no abismo. O abismo é quando a mulher se eterniza na insatisfação. Marcada pela rivalidade feminina, revoltada com sua existência e posição no mundo, ela, queixosa e intolerante, implica com marido, filhos e enteados.


O importante é alertar as mães para a necessidade de inserir os filhos na frustração, barrando-os nos excessos e caprichos. Treiná-los, desde cedo, a conviverem com os fracassos - obstáculos e imperfeições da existência humana. Ensinar o filho a tolerar o chato, suportar o diferente e conviver com o intruso - aquele que provoca ciúmes e rivalidade - faz parte do processo educativo.


Talvez se a madrasta, desde bebê, tivesse sido castrada em seus desejos e inserida, de forma carinhosa e firme, nas leis e limites da vida, ela teria administrado melhor o ciúme que sentia na relação de Isabella com o pai. Teria suportado melhor as birras da garotinha, que, provavelmente, disputava o amor do pai. Cabe às mães se investigarem e se prepararem como mulher para enfrentarem, junto às filhas, o fardo da sexualidade feminina – os fantasmas inconscientes que conduzem nossos atos. Tarefa dolorosa, contudo, necessária na trajetória de uma vida mais harmônica – seja nas relações com os homens, ou na convivência com outras mulheres. Como testemunhou Freud: “Não se nasce mulher, torna-se mulher”.

Nenhum comentário: