Mauro chegou à sala e despertou a curiosidade da meninada. Pela primeira vez, a turma tinha um colega com Síndrome de Down. Com comportamento agressivo, procurava compensar a deficiência de sua linguagem verbal. Batia na professora e nos colegas, tornando-se necessário esclarecer a turma sobre as dificuldades e as razões que o levavam a agir daquela forma. Contudo, a criançada permanecia temerosa, o que é natural dentro de um processo de adaptação. Uma chegou a não querer ir para a escola, fantasiando que Mauro podia matar a professora. Esta chamou a mãe para conversar que, ao entender os fatos, com muita sensibilidade, explicou ao filho: “O Mauro não sabe que não pode bater. Ensina pra ele”. No outro dia, seu filho chegou à sala ensinando aos colegas que precisavam ter carinho com o Mauro. E aos poucos toda a turma foi mudando o comportamento. Passaram, juntos, a cuidar do colega – levá-lo para o recreio, ajudá-lo com o lanche e atividades pedagógicas, incluindo-o nas brincadeiras. O que não significa dizer que acabaram todos os conflitos.
Estamos diante de um caso de inclusão, algo novo na sociedade e na escola regular. Outrora, as crianças deficientes eram mantidas trancadas em casa e cuidadas somente pela família e a babá. Na história da civilização, quem é diferente sempre foi segregado. A psicanalista Ana Senra, em seu livro Inclusão e Singularidade, confirma que é mais fácil isolar que incluir. “Eliminação de corpos deficientes nas sociedades espartanas, um discurso religioso que associa conteúdos diabólicos ou pecaminosos às imperfeições humanas.”Ainda hoje, muitas crianças são segregadas pelos diagnósticos médicos e confinadas em escolas especiais.
Felizmente o mundo está despertando. Na Declaração Mundial de Educação para Todos, aprovada pela ONU em 1990, está implícito o direito da pessoa deficiente à educação. E tal documento inspirou o Brasil. Em 1998, o governo federal determinou a inclusão de alunos especiais nas salas regulares. Contudo, poucas escolas a cumprem alegando não estarem preparadas para lidar com esse tipo de criança. Mas, como se preparar? Quem nos prepara para ser mãe ou pai? O filho, não é mesmo? E quem prepara a professora para dar aula para uma criança de inclusão? O aluno. O importante é ter disposição e dedicação para enfrentar os desafios, que certamente são muitos, e também para pesquisar e estudar bastante. Uma criança que tem problemas para aprender aponta dificuldades que o professor tem para ensinar.
Precisamos compreender que todo indivíduo possui aptidões e reúne condições de desempenhar atividades, desde que tenha oportunidades para desenvolver seu potencial. Como diz a mãe do Joãozinho, personagem do belíssimo documentário Inclusão, de Beto Magalhães. “Ele não deu pra leitura, mas deu pro trabalho”. O rapaz, além de ajudar a mãe nos afazeres domésticos, trabalha num restaurante.
A sociedade necessita se abrir para incluir todos, sem exceção – deficiente físico, mental, sensorial, superdotado, minorias. Reconhecer o outro. Entender que conviver com pessoas diferentes é uma oportunidade. Se a criança não passa pela convivência com a diferença, mais tarde terá dificuldade para vencer os preconceitos. O deficiente colabora para formar adultos tolerantes, solidários e responsáveis pelos outros. Portanto, cabe à escola ser um reflexo de uma sociedade que é plural. Para Maria Teresa Mantoan, fundadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade, “uma sociedade justa e que dê oportunidade para todos, sem qualquer tipo de discriminação, começa na escola”.
Incluir não é todo mundo conviver no espaço -- na praça ou no mesmo supermercado. Não basta fazer adaptações físicas. É interação e implicação. É uma responsabilidade de todos nós. Como? Criando espaços genuinamente democráticos, onde conhecimentos e experiências são partilhados entre pessoas que tenham a cor, o cabelo, a estatura, o corpo, o pensamento que tiverem. Quebrando barreiras que impedem deficientes de se inserirem na sociedade e no mercado de trabalho. Não estamos nos perguntado como construir uma sociedade mais pacífica e harmônica? Eis um caminho.
Um comentário:
Inez,
Realmente a inclusão é um caminho para a construção de uma sociedade mais harmonica e menos preconceituosa. Acredito que a escola inclusiva pode desenvolver as habilidades e potencialidades do aluno dificiente para que, desta forma, as empresas sejam também inclusivas proporcionando ao deficiente o ingresso no mercado de trabalho.
Muito bom seu artigo!
Maria Aparecida Tiradentes Dutra (Cida)
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