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terça-feira, 8 de janeiro de 2008


A droga nossa de cada dia


“Festa sem cerveja não rola. A cerveja é que faz o papo rolar. Sem muita cerveja, a parada caba cedo”. O comentário poderia ser de um adolescente, mas é de um pai. Como as famílias podem cobrar dos jovens hábitos diferentes, quando elas próprias estimulam, cada vez mais cedo, o ingresso dos filhos no mundo do álcool e das drogas?

O Brasil é o maior consumidor mundial de anfetaminas. Flávio Madruga, membro da Associação Brasileira de Estudos da Obesidade (Abeso), cita o caso de uma jovem de 19 anos, que tomou por dois meses fórmula à base de anorexígenos e hormônios tireoidianos. Ela queria eliminar oito quilos. Perdeu cinco num mês e teve um surto psicótico. (O Globo, 18/11/07).

Estamos nos tornando uma sociedade de toxicômanos? Cerveja, anfetamina e fluoxetina tornaram-se mania e são ingeridos de forma desregrada, em excesso. Sempre surge alguém querendo nos oferecer um gole ou receitar uma pílula - como se aquela poção química encarnasse a promessa de felicidade, alívio imediato. A mania phármakon pegou - drogas à prêt-à-porter!

A tendência à drogadição inicia-se nas festinhas familiares, nos churrascos domingueiros, quando os pais associam virilidade com capacidade de ingerir bebidas alcoólicas. Chope e machismo ainda fazem sentido? O imaginário social ainda relaciona álcool com potência sexual.

Ao analisarmos os fatores que vêem influenciando no aumento do índice de usuários de drogas - lícitas e ilícitas - não podemos ser hipócritas e não nos implicarmos na questão. Poucas famílias não fazem uso de alguma substância tóxica, algo que as ajude a suportar o real da vida. É do ser humano anestesiar o vazio que o atormenta, não querer decifrar o insuportável.

Em que mundo queremos viver? Foucault nos alertou sobre as formas de dominação – a ciência administrando corpos e mentes e afastando o que está além dos sintomas. Da cerveja à fluoxetina e à anfetamina, aceitamos os artifícios de controle e, num ato de cumplicidade, justificamos e naturalizamos a fuga. Confundimos sonhos com avanços tecnológicos. A versão moderna de felicidade é sintética e produzida em laboratórios.

O discurso da ciência nos atropela com diferentes máscaras. Ética e fragilidade se embaralham e dificultam a recusa por propostas que não se intimidam em nos tratar como robôs. Interessa à tecnociência afastar o sujeito da vida autêntica – sentidos e sentimentos. Dessubstancializado, sua existência empobrece e perde o brilho.

A trajetória do toxicômano geralmente inicia-se com drogas lícitas e pode terminar num banquete mortífero. A proposta é alertar para os equívocos e banalizações no campo da drogadição - seja por medicamentos ou pela via precoce da ingestão de álcool. Quando um pai propaga que vai beber “todas que tem direito”, ele pode transmitir ao filho que felicidade, prazer, somente se alcança com muita bebida.

Será que a vida não pode ser apreciada e desfrutada sem, necessariamente, a ingestão de bebidas alcoólicas? Vida saudável não implica hábitos também saudáveis? A questão não é beber ou não beber, tomar ou não antidepressivos, mas como e quando fazê-los. Sem fazer apologia à lei seca, tampouco desqualificar a aplicabilidade da medicação, o interesse é debater os abusos aos quais muitos jovens e adolescentes estão expostos. As drogas, geralmente, entram na vida do jovem como um aditivo narcísico, uma forma de se inserir no grupo, um apelo de pertencimento. Filho identificado ao pai, tende repeti-lo. Como testemunha Guimarães Rosa: “Cavalo que ama o dono, até respira do mesmo jeito”.

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