Pesquisa da Unesp (Universidade Federal de São Paulo) com 800 famílias da periferia de São Paulo, relatada por Gilberto Dimenstein (Folha de São Paulo, 20/04/08), revela que 20% das crianças são vítimas de violência doméstica - espancamentos, asfixia, queimadura, entre outros. O que certifica que a violência contra crianças no Brasil tornou-se fato corriqueiro.
Há muitas outras Isabellas vítimas dos adultos. Crianças que morrem ou ficam marcadas pela insensatez, pela frieza e até pela loucura de quem deveria cuidar, dar proteção. E sabemos que a violência atinge também jovens e as classes mais altas. Pelos jornais e pelas ruas, presenciamos ou sabemos de inúmeras barbáries contra eles.
Segundo a senadora Patrícia Saboya, da Frente Parlamentar pela Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, entre 65 países, o Brasil é o que mais mata seus jovens. São 16 por dia! Como nos omitir diante de dados como esses? Qual a nossa responsabilidade? Como implicar, trazer o debate para dentro de nosso lar, para a nossa comunidade? Devemos nos posicionar, vigiar, indagar como vivem as crianças que fazem parte de nosso cotidiano – alunos, filhos dos empregados, vizinhos e amigos. Será que estamos comprometidos com o futuro de nosso maior patrimônio: as crianças e os jovens?
Dimenstein, que acompanha o assunto da delinqüência infanto-juvenil desde o final da década de 1980, afirma na mesma reportagem que “nem toda criança espancada vai para a marginalidade, mas quase todos os marginais passaram pela violência”. Contudo, muitos filhos tornam-se vítimas da própria família, passando de vítimas a culpados.
É importante refletir como nos relacionamos com os nossos filhos, muitas vezes, deixamos marcas indeléveis. Devemos valorizar cada etapa da criação, desde a amamentação. Todo gesto daquela que cuida do bebê é por ele registrado – a forma como a mãe oferece o seio ao filho, como ela fala com ele, o tom da voz. Uma criança terá maiores chances de crescer saudável quando ela reconhece que foi desejada pelos pais, sentindo-se confortável e segura pelos laços afetivos que a cercam. Relações que vão dizer muito de como ela será no futuro. Um adulto equilibrado, geralmente foi uma criança amada, acariciada. Diz da qualidade do afeto que recebeu – como foi respeitada em sua singularidade.
Em tempo, a madrasta que supostamente asfixiou Isabella, a garota que foi assassinada em São Paulo, (29/03/08), de forma brutal, o que revoltou a população, também foi vítima de violência por parte do pai. Mais um fato que constata que estamos vivendo uma epidemia da violência familiar. Como ajudar a contê-la? Epidemia que deságua na sociedade. Ao Estado, entre muitas outras medidas, cabe ampliar a discussão sobre planejamento familiar, socializar ainda mais os métodos contraceptivos, dar prioridade ao tema. A Senadora alerta que alguns importantes projetos não entram em votação. E a nós, o que cabe? Para começar, a reflexão: o que é ser um bom pai? Sem o comprometimento, sem a dedicação necessária, é possível participar da construção de um mundo melhor para nossos filhos? Ter filho exige maturidade, coragem para enfrentar obstáculos e frustrações. Exige doação, disposição, envolvimento. Requer dedicação para junto a eles debater temas como esses, livrá-los de preconceitos quando muitos julgam violentos e criminosos apenas o diferente - pobre, negro ou favelado.
Como bons pais, podemos ajudar a construir um país que valoriza e aposta no seu futuro. Como bons cidadãos, iremos nos sensibilizar com as milhares de vidas ceifadas precocemente. Não podemos simplesmente nos envergonhar com os números de vítimas da violência. Afinal, como define o filósofo francês Ruwen Ogien, “com a vergonha não vamos longe, é mesquinha, não nos move para uma ação positiva”. Devemos, sim, sentir um pouco de culpa, porque esta pode nos tirar do comodismo, nos mover para uma ação em direção ao outro. A criação de uma cultura de paz depende de cada um de nós, e isso não pode ser utopia.
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