Há algumas décadas, parecia mais fácil educar meninas. O caminho era prepará-las para a vida doméstica e torcer para que elas conquistassem bons maridos. Não havia muitos modelos femininos disponíveis. E os que existiam não eram muito alardeados. Raras mulheres ousavam acalentar sonhos e persegui-los, e as que a eles se dedicavam, eram consideradas loucas ou reconhecidas como más companhias para as moças tidas de família.
Ao longo do século 20, algumas mulheres mais ousadas e intempestivas, enfrentando preconceito e violência, abriram alas para as novas gerações. Na década de 60, o movimento feminista se organizou nos EUA e expandiu-se pelos países ocidentais. Lutaram por emancipação e liberdade. Queriam a equiparação aos homens em direitos jurídicos, políticos e econômicos - apesar das diferenças culturais, sexuais e subjetivas, procuravam se afirmar como indivíduos tão respeitados e valorizados quanto os homens.
O cenário mudou radicalmente. Muitas se destacaram profissionalmente, conquistaram searas masculinas. Assumiram seus desejos ou simplesmente se libertaram daquele tipo de opressão. Passaram a ver a maternidade como escolha e não mais como destino. O mito da mulher que só se realiza quando mãe caiu por terra.
Alguns fatos comprovam que a mulher soube se fazer respeitar, romper com o patriarcado; outros, que ainda vivemos numa sociedade em que a imagem da mulher “objeto de cama e mesa”, submissa ao poder econômico, pouco avançou. Cultuamos olhares para o corpo-mercadoria, exibido e cobiçado, e que forjaram a mulher-melancia, mulher- cerveja, que se deixam vender, explorar. Infelizmente é a própria mulher que anseia por vitrines, holofotes e bons cachês. Como nos alerta Frei Betto: “Estupradas em sua dignidade, elas são despidas em outdoors e capas de revistas, reduzidas a iscas de consumo na propaganda televisiva, ridicularizadas em programas humorísticos, condenadas à anorexia e à beleza compulsória pela ditadura da moda. As belas e burras têm mais “valor de mercado" do que as feias e inteligentes”. Contudo e apesar de tudo, é nesta sociedade que temos que educar nossas filhas, futuras mães!
Cabe aos pais ampliarem o olhar da filha sobre o mundo e as opções de vida. Muitas são as oportunidades que os pais podem incentivar e que não passam, necessariamente, pelo modelo apregoado pela mídia. Como fugir aos ditames do mercado? O desafio é mostrar que o mundo oferece espaço para todo tipo de mulher - a questão é expandir o foco, potencializar outras experiências, histórias e trajetórias. A questão é dar suporte às garotas na árdua tarefa de se descobrirem, valorizando singularidades, desejos, habilidades.
O complicado nessa história é justamente como provocar a mudança de foco - como reinventar um outro lugar, uma outra lógica nas cabecinhas das meninas e que fuja aos padrões da mulher boazuda e fútil. Quais valores norteiam mulheres como a poeta Adélia Prado? O mundo das artes nos reserva boas saídas. O mundo da criação, da auto-expressão é mágico, delicioso. Nada mais gostoso que se sentir capaz de produzir algo, poder nomear o resultado de um trabalho, sentir-se responsável por um processo criativo, seja ele em que campo for. Criar e fantasiar nos protege da loucura, faz bem à alma, alimenta e estimula o amor próprio. Apostar no talento e na capacidade de nos fazermos respeitadas e reconhecidas pelo que produzimos, é mais seguro que apostar apenas num belo corpo, frágil e efêmero. Além de mais nobre, bonito e merecedor.
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