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sexta-feira, 7 de março de 2008


Vigilância e irresponsabilidade


A escola, preocupada em manter a disciplina, decide instalar câmeras nas salas de aula e conta com a aprovação da maioria dos pais. Pela internet, podem espiar os filhos. A intenção é boa, uma vez que escolas e pais, hoje, lutam para que a moçadinha contenha a faina, se acalme e estude. Mas esse é o melhor caminho para a formação do sujeito autônomo e consciente de seus atos?

A educação disciplinar do século XVIII vigiava e punia. Jeremy Bentham a descreveu em O panopticon onde analisa o mecanismo de controle apregoado pelas escolas, hospitais e prisões – modelo arquitetônico que possibilitava uma visão panorâmica. Michel Foucault, em Vigiar e Punir, retoma a questão e nos alerta sobre o olhar do poder e seus dispositivos de controle, quando a biopolítica, por meio do saber/poder, disseminou-se nas instituições.

O mundo escolar seguiu o modelo disciplinar do mundo industrial, coibindo e educando para a produtividade e rentabilidade. Contudo, quando instaura-se um clima de desconfiança, sofisticam-se os métodos disciplinares, dominando desejos e pulsões. A perfeição da vigilância tornou-se uma soma de malevolências.

Se o mercado de trabalho na atualidade exige, cada vez mais, indivíduos criativos e autônomos, que tenham iniciativa e que busquem saídas para situações inéditas, colocadas pela globalização e pelas novas tecnologias, como concordar com tamanha tutela? Uma criança, para desenvolver o senso crítico e a autonomia, deve, desde cedo, aprender a responder pelos seus atos. Responsabilidade é isso – assumir os erros, reconhecer as falhas sem se envergonhar e enfrentar os fracassos que fazem parte do processo de maturidade e crescimento do ser humano.

É compreensível os pais ansiarem pela segurança dos filhos, como também desejarem ampliar os dispositivos de controle e proteção sobre eles. Medidas que propiciam certo conforto interno, sensação de missão cumprida, alívio diante da culpa que muitos carregam pela falta de tempo e dedicação, ou pelo excesso de permissividade.

Entretanto, para conhecermos melhor os alunos é necessário espionagem? Como operar na formação de cidadãos conscientes, autônomos? Autonomia - ato de falar por si, responder pelos atos - fruto de um processo de idas e vindas, conversas e combinados, erros e acertos. Querer obter de forma precisa e rápida um relatório de conduta de um filho, nos lembra ações de polícias e de governos totalitários. Há formas menos invasivas e paranóicas de conhecer o mundo em que as crianças vivem. Não podemos aplicar nos filhos métodos opressivos que não gostaríamos para nós e que ferem a privacidade. É claro que cabe aos pais e educadores lançarem mão de normas disciplinares. Educar é uma prática social na qual se deve, desde cedo, inserir as crianças. A melhor forma de ensinar é por meio de exemplos - transmitindo nas atitudes valores e concepções de mundo que irão se perdurar.

Quando agimos de forma inadequada, tal postura poderá repercutir na vida dos jovens, interferindo e influenciando-os. Contudo, não podemos incentivar ações que ferem o Estado de direito, a liberdade de escolha e de defesa.

E por mais que pais e escolas queiram monitorar cada passo dos filhos, será impossível. O importante é construir uma relação de confiança, fomentando o senso de responsabilidade, levando-os a responderem pelas atitudes e escolhas. Inevitavelmente, aprendizagem implica em fracassos, atos impensados que fazem parte do processo de maturidade - sem os quais eles poderão prolongar-se em atitudes infantilizadas e inconseqüentes. Educar para a autonomia e a maturidade convoca o olhar do outro, que deve ser de confiança, reconhecimento, aposta na capacidade do indivíduo se assumir enquanto sujeito desejante. É quando aprendemos a nos ver como sujeitos de nossos atos, assumindo-nos. Percurso que nos desvencilhará dos temores, e nos ajudará a admitir os erros e a sonhar com os acertos.

Estamos diante de um paradoxo – a sociedade tornou-se vítima da falta de lei aos jovens? A permissividade em excesso atropela e compromete a liberdade individual, perdurando condutas infantilizadas e irresponsáveis? Questões a se pensar.

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