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e entusiasma a alma.

sábado, 14 de novembro de 2009

Entrevista com Inez Lemos











Balaio da Vivi: uma prosa com Inez Lemos (ENTREVISTA)
Inez Lemos Foto: Beatriz Dantas Editada por Bia Menezes

Para conhecer mais sobre o "Balaio da Vivi", visite o blog: http://videbloguinho.spaces.live.com






"Amar é revisitar, com o outro,
sentimentos, fantasias..."


Inez Lemos é psicanalista, colaboradora do caderno Pensar do jornal Estado de Minas e autora do livro Pedagogia do Consumo. Coordena grupos de estudos em seu consultório em Belo Horizonte, e participa de encontros, palestras, seminários e congressos. No blog Amores Urgentes (http://amoresurgentes.blogspot.com) Inez posta artigos sobre relacionamentos, afeto e educação.


Email: mils@gold.com.br






Com quem vivemos nosso primeiro caso de amor?


Com a mãe ou com aquela que irá amamentar ou cumprir com a maternagem. O primeiro ato sexual de uma criança é com o seio da mãe - sua primeira experiência de satisfação. O seio entra como objeto de desejo. Tal vivência é tão forte que o filho tentará reencontrá-la em outras relações. Ele buscará algo que se assemelhe àquele prazer originário. Nós sempre vamos buscar o objeto perdido, objeto que causa desejo e que nos marcou para sempre.


Malvine Zalcberg em Amor paixão feminina afirma que para a mulher não existe amor sem palavras, e cita Philippe La Sagna: “o que envolve, enlaça o corpo sensível da mulher, não são, antes de tudo, palavras, palavras de amor?” Para a felicidade de todos, é melhor que o homem fale, escreva, desenhe, pinte, e não economize palavras de amor?


As mulheres demandam mais manifestações de carinho. Elas têm necessidade de ouvir de seus parceiros “juras de amor”. Geralmente, elas esperam que eles falem, expressem, com palavras, seus sentimentos. Não bastam gestos. É uma necessidade da mulher, que espera essa confirmação. Ela reivindica um lugar no desejo do homem e faz tudo para ser atendida em seu clamor por amor. Esta é uma questão complexa e está no centro da sexualidade feminina.


De que se trata essa complexidade?


A singularidade do feminino está no corpo. O registro de um corpo imaginário incompleto, ao se manifestar, cria na mulher a ideia de incompletude: ausência do significante universal do falo (pênis). O feminino é um ser que luta para descobrir sua instância fálica. Para Freud, a ausência do pênis denuncia a castração – marca de uma falta, de uma ausência. Diferente do homem que porta o significante que o define, a mulher não tem um significante que a nomeie e a defina. Isso explica por que as mulheres são mais insatisfeitas no amor, por que elas demandam mais palavras – elas requerem ouvir do amado “eu te amo”. Elas demandam um lugar, uma identidade, uma recompensa, um reconhecimento. Algo que as retirem da “síndrome de incompletas, inferiores”.


Foi pensando nisso que Freud formulou a inveja do pênis?


Embora exista um equívoco de interpretação em relação ao que Freud elaborou, podemos compreender que as mulheres, ao se sentirem incompletas, moverão mundos para se compensarem e encontrar o seu falo. O falo não é o pênis. O falo significa poder, é o significante do desejo. Quem tem o falo, ou está com o falo, é quem tem propostas; é o sujeito desejante. Reivindicar o falo é reivindicar poder, reconhecimento. Lacan preferiu nomear a mulher de “não-toda”, apontando para um corpo que registra uma ausência. Contudo, diferente do que muitos pensam, a mulher só tem a ganhar com essa “falta” originária, pois é ela que a mobiliza e a torna uma pessoa curiosa e desejosa diante da vida, cheia de energia para fazer várias coisas ao mesmo tempo. A mulher é plural. Não existe a mulher, mas muitas. A mulher é um ser desdobrável, como diz Adélia Prado no poema Com licença poética; múltiplo, como canta Chico Buarque em Beatriz “será que ela é moça, será que ela é triste... será que é de louça, será que é loucura”. Enquanto os homens, na ilusão de completude, lutam pouco para se tornarem pessoas mais interessantes; engajados na cultura, na vida dos sentimentos e do afeto. Em geral, os homens são mais acomodados. Tentam se equilibrar apenas em sexo-poder-dinheiro.


É essa ausência que diferencia mulher e homem?


Sim. Freud, nos seus estudos sobre a feminilidade, concluiu que “não se nasce mulher, torna-se mulher”. Mais tarde, Simone de Beauvoir consagrou a frase em O Segundo Sexo. Ou seja, a anatomia é destino, mas a sexualidade é construção. Tal questão reforça a diferença abissal entre o homem e a mulher. O homem, ao crescer com a ilusão de que porta o falo, é criado numa cultura em que dele é exigido pouco além de “transitar bem no poder, com bom desempenho sexual, prestígio e sucesso financeiro”. Poucos são os que se interessam por outros saberes, ou se preocupam em melhorar, fazer análise. Ainda são poucos os que aceitam se questionar, se confrontar. Já a mulher, como Ulisses, parte em busca de outros mares. Investiga seus enigmas, enfrenta esse continente negro, esse corpo obscuro. A histérica é o modelo emblemático da mulher que confronta o fantasma da insatisfação - aquela que quer saber o que é ser uma mulher. Ela deseja e procura saber, ao longo da vida, seja nas psicoterapias, seja alhures, sobre seus fracassos, insatisfações, fantasias.


Existe um ser completo?


Não. Todos nós, mulheres e homens, somos sujeitos incompletos e erráticos. A questão é por que as mulheres, em geral, se interessam por mais coisas como: viagens, culinária, decoração, esportes, dança, yoga, teatro, cinema, música..., além do sucesso profissional. Uma vez que as mulheres são marcadas pela insatisfação, é natural esse movimento delas diante da vida. Enquanto os homens, em geral, são menos estimulados e interessados em vivenciar novidades, em ter contato com experiências inéditas e diferentes. E uma das queixas delas, por exemplo, é que os homens têm muita facilidade para se adaptarem à rotina trabalho-família. Contudo, a ilusão de que “nascer homem basta” é uma sacanagem. Já é hora de as mães criarem os filhos (homens) longe desse imaginário falso, que só traz problemas para eles e para as mulheres, pois ambos terão que se haver com esse engodo. É uma das questões que dificultam o bom relacionamento entre o masculino e o feminino. Nascer com o sexo masculino não significa agir como um homem: aquele que assume seu desejo, banca seus interesses. Geralmente, os homens se submetem às mulheres com muita facilidade. É comum ouvir que “os homens têm medo das mulheres”. Acredito que eles temem o desejo da mulher que, quando sabe o que quer, sai de baixo! Muitos abrem mão por comodismo, por dificuldade para assumir o desejo. Mas tudo isso pode mudar, desde que os homens queiram ocupar uma outra posição diante de seu desejo, e que não se coloquem mais como demissionários diante da vida. Viver é briga pra cachorro grande, os frouxos não vão ganhar essa parada. O frouxo, seja homem, seja mulher, é aquele que vive na penumbra, na opacidade, não quer lutar pelo brilho da existência.


Homens e mulheres são mesmo diferentes em relação ao amor?


As mulheres buscam mais o amor. Elas gostam de se sentir amadas e desejadas. A mulher quer ser o objeto de desejo no desejo de um homem, pois a feminilidade se funda na confissão de um homem. Enquanto os homens não necessariamente buscam o amor. Muitas vezes, priorizam mais o sexo do que o amor. Quando a mulher age no amor como os homens, isso pode ser uma devastação, pois, no fundo, ela quer sentir que é dela que ele gosta. O amor está em crise mais para as mulheres, que sofrem mais com a moda da alta rotatividade, dos corpos descartáveis e de pouco valor. O amor mercadoria é um desastre para os corações femininos. Elas podem, a princípio, até se equivocarem, mas depois poderão se sentir usadas, exploradas, enganadas.


Atualmente, de que se queixam as mulheres na clínica?


As queixas mudaram. Hoje, muitas reclamam da sobrecarga de trabalho. Elas se inseriram no mercado de trabalho, mas ainda são as responsáveis pela administração da casa. Muitas reclamam da falta de cooperação de seus parceiros nos afazeres domésticos, julgando-os folgados. Esta é uma questão séria por ser cultural e diz da forma como as mães educaram seus filhos, poupando-os das obrigações domésticas. Muitos reconhecem essa desigualdade e tentam compensá-la. Contudo, muitos se sentem pouco confortáveis em realizar determinadas tarefas, reclamam da falta de treino, da inexperiência na cozinha, pois a mãe não os deixou participar, aprender. Há homens que reconhecem que o mundo feminino é mais interessante que o masculino, e que gostariam de ter sido inseridos nele. É claro que hoje muitos homens têm assumido cada vez mais, e de forma generosa e carinhosa, os diversos aspectos que cercam a vida familiar. Como há homens cujas vidas são muito mais interessantes do que as de muitas mulheres. Estou falando do imaginário que cerca o feminino e o masculino; os imaginários deveriam ser misturados, e não separados. Uma boa relação é aquela em que ambos se ajudam, em que há mais cooperação do que competição.


E os homens?


Em relação ao afeto, tem uma questão que varia muito de geração para geração. Os homens (de 50 a 70 anos) se ressentem da falta de tempo das mulheres para o amor, para o namoro. Isso se explica: hoje, as mulheres estão tendo menos tempo para a vida afetiva. Já os mais novos se interessam menos em namorar, pois foram treinados e até condicionados a formar vínculos afetivos efêmeros, menos consistentes. Suas demandas passam mais pela profissão, pois julgam que ganhando mais dinheiro poderão conquistar mais mulheres. Muitos ainda acreditam que o dinheiro compra tudo, como disse Nelson Rodrigues, “até amor verdadeiro”.


No seu artigo Amor e fantasia, você sugere que a conversa entre duas pessoas que se sentem atraídas deveria começar com uma pergunta sobre a fantasia de cada um: “qual a sua fantasia?” no lugar de “o que você faz?” ou “qual é a sua profissão?”. A fantasia pode ser o prenúncio de um encontro amoroso?


Sim. Talvez as relações estejam tão frágeis e tão líquidas por causa do déficit de fantasia. Um jovem que cresceu acostumado a ficar sentado, por longas horas, diante do computador e da TV, suas fantasias foram pautadas pela mídia. Há um empobrecimento fantasmático e isso reflete nas relações, pois são as fantasias que vetorizam o amor, elas dizem da forma como o sujeito foi marcado e afetado pela linguagem. É a linguagem que atravessa o corpo e o erotiza. O outro materno se dirige a uma determinada região do corpo por meio da linguagem – a boca, por exemplo, deixa de ser um orifício e passa a ser uma zona erógena. Daí a importância da língua materna, da qualidade do vínculo da mãe com o filho. Se antes havia mais mãe que mulher, hoje temos mais mulher que mãe. Muitas desejam ter um filho, mas não desejam ser mães. Mãe, mamar, maternidade, maternagem. Tanto a função materna como a paterna estão em declínio.


Significa que os filhos estão sendo menos erotizados pela língua materna?


Se o tempo da mãe com o filho for um tempo atropelado, ansioso, isso poderá comprometer a produção de fantasias. Vivemos um empobrecimento do simbólico. Muitos pais sacrificam o tempo de conversar, de contar histórias, fantasiar e simbolizar com os filhos. É um efeito da hipermodernidade, da convivência excessiva com as máquinas (computador, TV, ipod, celular...). O homem de outrora fantasiava mais o encontro amoroso. Ele se dirigia à amada cheio de expectativa, desejo, fantasias, pois muito do que ansiava não era passível de se realizar. Sabemos que o desejo advém da falta. Hoje, quando tudo é permitido, o jovem entedia-se rápido. Há pouca emoção no ato sexual contemporâneo. Muitos broxam diante de tanta oferta, tanta permissividade.


Como educar um filho para ser um bom parceiro afetivo?


A criança aprende a amar desde pequena vivenciando a relação com os pais: a relação do homem com a mulher, e a relação dos pais com ela. Um casal que prioriza a qualidade do afeto nas relações tem grandes chances de que seu filho se torne um bom parceiro afetivo. Veja os homens considerados bons amantes - que souberam amar as mulheres -, são homens que “surfaram” bem pela vida, transitaram na cultura, na música, na literatura. São exemplos de pessoas abertas e não reprimidas, pois amar é abrir espaço, expandir. Devem ter sido criados num lar em que se cultuavam a liberdade de pensamento, expressão e a criatividade. Quem fantasia bem ama bem. Eu tenho Chico Buarque e Vinicius como exemplos de homens apaixonantes, bons “amantes”. É claro que têm muitos outros, mas resolvi citar essas “divindades” como metáfora.


No divã o amor não cai de moda. Psicanálise é falar de amor em todas as idades?


Toda demanda é uma demanda de amor. É o amor que nos funda, portanto, é bom que ele seja um forte foco em nossas vidas. Não significa dizer que seja impossível ser feliz quando não estamos amando ou não estamos vivendo uma relação afetiva duradoura. Mesmo quando dizemos que “neste momento, a minha vida profissional é mais importante”, o que subjaz a esta frase é “ganhando mais, poderei cuidar mais de mim e me tornar uma pessoa mais interessante, com mais recursos a oferecer ao outro”. No fundo, sempre estamos buscando do outro reconhecimento, respeito, admiração. Hoje, tornou-se ridículo assumir que desejamos o amor. O mundo do consumo tenta nos iludir com “gadgets” (bugigangas), nos convencer de que os objetos são mais importantes do que as pessoas. Uma bela casa, se não houver amor entre as pessoas que nela habitam, se ela não for aconchegante, pouco vale.


Quem é o sujeito psiquicamente saudável?


Freud postulou que o homem vive bem quando ele se realiza no trabalho e no amor. O sujeito saudável para a Psicanálise é o sujeito desejante, aquele que prima pelo falo, luta para conquistar seus sonhos. É o sujeito que “surfa” bem na vida – tem seus nichos de interesse, de afeto (amigos, amores). Sabe estabelecer laços sociais, profissionais, como também sabe se recolher. Gosta de ficar sozinho de vez em quando. Não tem “pânico” da solidão. É capaz de passar um fim de semana em casa na companhia de um livro, por exemplo. É flexível, não se aborrece facilmente quando seus planos caem por terra, quando tem que abrir mão deles ou modificá-los. É uma pessoa que sabe lidar com as frustrações, com os “nãos” da vida. Também sabe controlar suas pulsões, simbolizar os sentimentos e não se envergonha deles - consegue chorar, se entristecer, se alegrar e se entusiasmar com os bons momentos.


O que dificulta o encontro amoroso hoje?


Você quer saber por que o amor está em crise? Muitos são os fatores que contribuem para a efemeridade das relações. Se hoje as pessoas circulam menos em seu espaço íntimo, em sua interioridade, singularidade, elas se tornam mais disponíveis e vulneráveis aos modismos. Lacan professou que a Psicanálise não perdoa quando o sujeito se demove de seu desejo; é a única culpa imperdoável. Esta questão aponta para uma covardia moral. Quando vivemos um estilo de vida que não é nosso, dando importância em demasia ao que não é essencial, comprando além do que necessitamos e desejamos, agimos movidos por estímulos externos. Nós recuamos diante de nosso desejo para seguirmos o desejo de um Outro. Assim, fragilizados, nos oferecemos ao Outro, comprometendo a nossa satisfação. Insatisfeitos, chegamos ao amor cheio de demandas, cansados e desgastados pelas premências do consumo. O que o amor precisa mesmo é de espontaneidade, autenticidade. Como transitar bem numa parceria afetiva se circulamos fora de nosso eixo identitário? O amor gosta de se enroscar na intimidade, esbaldar-se com naturalidade e liberdade no corpo do outro – tocar o outro em seu âmago. Amar é revisitar, com o outro, sentimentos, fantasias, rever histórias e criar novas. Diferente dessa pretória de exigências que inviabilizam tecer um novo tempo, uma outra ordem amorosa, na qual não mais nos angustiaremos diante de imperfeições e fracassos. O amor também sofre as influências da cultura. Desejar um(a) companheiro(a) é bem diferente de desejar um(a) companheiro(a) perfeito(a). Vale reverenciar o amor possível, aquele que iremos, com muita boa vontade, construir. O amor também não nasce pronto. Aqueles que desejam um amor gostoso e uma relação sexual duradoura devem por eles lutar, e deles cuidar. Tudo na vida requer paciência e dedicação. Amor que faz bem pro coração é aquele que nos encanta e descansa. Como disse Guimarães Rosa: “amor é descanso na loucura”. Pesadelos bastam os que a vida nos reserva.



(Entrevista feita por Viviane Campos Moreira, postada em Balaio da Vivi: uma prosa com Inez Lemos. http://videbloguinho.spaces.live.com)

Um comentário:

Lu Vaz disse...

li sua entrevista na Vivi e vim te conhecer, amei seu blog, amanhã vou indica-lo pros leitores do meu. um beijo!