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terça-feira, 5 de agosto de 2008


Mitos e transtornos


Transtornos - é uma questão genética ou psicológica? Modismo ou sintomas que revelam aspectos subjetivos que dizem do sujeito e de sua história de vida? O que subjaz a tudo isso? Vivemos uma tendência de justificar as doenças pelo mau funcionamento do cérebro. O mercado dos psicofármacos vem crescendo a cada dia confirmando que as pessoas estão reverenciando a medicalização. Da ritalina à fluoxetina, a mania é apostar na neuropsiquiatria. É a prevalência do corpo biológico sobre o corpo erótico.

Certamente, em alguns casos, a medicação tem a sua indicação. O que assistimos, contudo, é mais uma tentativa de classificar e enquadrar os sentimentos. Vivemos a onda dos diagnósticos, tudo tem que ser rotulado e nomeado rapidamente. A pressa em diagnosticar, desresponsabilizando o sujeito pelo sintoma, nos faz questionar o que tem contribuído para a proliferação dos transtornos e síndromes.

Dispersão, impulsividade, agitação e desatenção podem ser sintomas do TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade), ou sinais de um sofrimento maior que afeta a adaptação social? Para que uma criança apresente um bom desempenho na escola, se desenvolva de forma saudável, ela necessita de um ambiente familiar favorável. Vários são os fatores que podem atuar no corpo psíquico comprometendo a aprendizagem.

Uma criança que vive num ambiente transtornado, barulhento e sem clima propício para estudar, ler, se concentrar, acaba expressando o desconforto. É quando qualquer coisa passa a irritá-la. Uma criança irritada é uma criança em sofrimento. Importa mais descobrir como estabelecer um vínculo de confiança que viabilize ela falar, do que apenas diagnosticar ou nomear o seu sofrimento.

O conceito de transtorno é complexo e controverso. Maria Luisa Salomon, mestre em psicologia, em entrevista à revista Encontro, afirmou suspeitar do diagnóstico de TDAH. Em 30 anos de experiência só teve um caso que considera realmente como tal. Aos adultos, cabe aqui uma reflexão, afinal quem não foi ou teve colegas super agitados, desinteressados pelos estudos e que se tornaram ótimos profissionais?

Quando uma pessoa presencia um fato desagradável, uma tragédia, ou vivencia uma perda, ela pode sintomatizar de diversas formas. Contudo, se o que ocorreu não for elaborado, falado, se a criança não vivenciar o luto pela perda ou não trabalhar o incômodo, ele retornará bloqueando e dificultando a aprendizagem.

TV, celular, computador, vídeo game, DVD, Ipod. Muita tecnologia e pouca gente. Muitos são os recursos que fazem parte do cotidiano da moçada e que, em excesso e sem regulamentação, podem prejudicar o desenvolvimento cognitivo. A criança moderna é solitária, cresce avulsa, há poucos irmãos na jogada. A média das famílias de classe média é de 1 a 2 filhos. As relações interpessoais sofreram um abalo, um empobrecimento afetivo, simbólico e intelectual.

Infância é tempo de criatividade, é quando ela interage com outras, desenvolve a auto-expressão e potencializa sua inventividade. Criança requer cuidados e atenção, gente para vetorizá-la, ser referência e plantar raízes. Criança não adquire uma concepção da vida sozinha - necessita de uma formação rica em bons exemplos, boas companhias. Contudo, o tempo com os pais é fundamental - tempo de rolar no tapete, tempo lúdico e afetivo. É quando ela vai se sentir protegida e acolhida por aqueles que cumprem com a função paterna. Sem isso, ela pode se sentir angustiada, incomodada, irritada.

A escola deve dar ouvidos à fala do aluno, orientando os pais na condução do tratamento, que deve priorizar uma mudança de atitude para com ela. Sem entender é difícil mudar, sem mudar é difícil melhorar. A harmonia interna só será conquistada numa relação de afeto, respeito e confiança. Não podemos tomar a manifestação do problema como se fosse o problema. Como formarmos cidadãos criativos, autônomos e equilibrados? Talvez a saída esteja em dar ouvidos ao que não está bem, pois onde tem doença, tem sujeito e histórias de vida. Reivindicar o direito à singularidade é uma forma de reivindicar sanidade. Entre mitos e diagnósticos, há muita criança solitária, mal compreendida e infeliz com uma educação tecnológica, fria, terceirizada.

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