Inez Lemos
O capitalismo sobrevivi das neuroses humanas. Cada época produz sintomas
que definem seu tempo. Sem as patologias, o lucro dos empresários seria
infinitamente menor. As histéricas não passariam as tardes nos shoppings adquirindo
quinquilharias que não necessitam, os homens não teriam tanta fissura por
carrões e os jovens tanta obsessão pelo mundo virtual. Os objetos deixariam de cumprir
o papel de objeto fálico, e a humanidade não seria tão insatisfeita. Ou
depositaria menos na aparência e no consumo a solução para as angústias e
frustrações. Outros tampouco ocupariam o lugar de submissão e exploração, se
entregariam menos ao sacrifício e masoquismo. Ao tratar as neuroses, procurariam
saber de suas faltas - onde fracassam, derrapam. No processo analítico, mudariam
de posição diante da vida.
Os objetos de ostentação servem para suprimir uma falta, uma ausência. Se
nos sentimos frágeis, inseguros ou infelizes, se a vida não está como
desejamos, a tendência é buscar fora de nós algo para nos completar. Aditivo
narcísico: adicionar algo com o intuito de melhorar a imagem. Há a ilusão de
que, ao portar um objeto valioso, ele nos colocará numa posição de prevalência,
superioridade. Ao consumir, seja objeto ou imagem, a ordem é nos distrairmos e
nos desviarmos do verdadeiro desejo.
O desejo que interfere nas escolhas é inconsciente e resulta das idéias
que circulam na linguagem, portanto, o inconsciente é contaminado pela
linguagem. Se na era digital as crianças estão sendo estruturadas na linguagem
virtual, on-line, significa que a matriz psíquica está se realizando de outra
forma. E a função paterna e materna está se processando mais na internet do que
nas mesas de refeição.
Qual a educação sexual que os adolescentes estão recebendo via internet? Por
que a garotada não desgruda os olhos das telinhas? O que elas oferecem de tão
interessante que muitos nem comem direito, tamanha a fissura pelas imagens? Que
magia é essa capaz de cooptar full time
corpo, mente e coração? A maioria só existe se estiver acoplada ao seu
aparelho, sem ele torna-se órfã de si mesma.
O tablet, além de aditivo narcísico, é o cabaré da vez. Num mundo repleto
de imagens, onde há muito que ver e pouco que ler, o prazer deslocou-se do
corpo real para o corpo imagem. Tocar, olhar nos olhos, sentir a pele do outro se
tornaram emoções ultrapassadas, em desuso. Não estaria, essa nova forma de viver a
sexualidade, aprofundando o desamparo, hiância inerente ao ser humano, sensação
de que algo está faltando? E como fica a vida afetiva quando a máquina passa a
ocupar o lugar do outro - o corpo no real não é mais objeto de desejo?
A mídia nos avisa: “Pornografia on-line influencia relações entre jovens,
tornando-as estereotipadas e, às vezes, perigosas”. Filmes de conteúdo
explícito inundam tablets e smarphones. Neles, jovens e adolescentes iniciam a
vida sexual. O corpo é apenas uma imagem usada para garantir o orgasmo. Nada de
fantasias sexuais, erotismo, preliminares. As imagens são nuas e cruas - um
festival de genitálias garante o prazer rápido. Tudo acabado, é só iniciar
novamente, sem trabalho de esperar pelo outro ou ouvi-lo em suas questões
íntimas. Quais as conseqüências de crescer acreditando que o que se vê nos
vídeos é a forma adequada de se iniciar sexualmente? Onde estão os pais e
educadores? As famílias e as escolas não se ocuparam em construír
argumentos eficazes ao contrapor os
conteúdos pornográficos que circulam na internet?
Não, a questão não é progresso, tampouco moralismo, mas sonhos. Avançamos
em tecnologia, mas a concepção sobre a existência humana continua precária, imediatista,
objetiva. Como encetar mudanças estruturais, práticas sociais e culturais, sem que
a condição humana seja desrespeitada? Como ansiar por práticas sexuais menos
violentas, menos estrupos, quando os jovens que educamos não são inseridos nos
limites da lei? Como afirmou o psicanalista Hélio Pellegrino, sem pacto edípico
não há pacto social. Sem que a criança internalize a lei, os limites da convivência
humana é impossível a experiência harmônica e civilizada. Toda relação sexual
implica um outro, que, por sua vez, esbarra em questões éticas, de respeito e
cumplicidade.
A literatura clássica trata o sexo com erotismo. Eros – deus do amor,
personagem mitológico. Mito, magia, fantasia. A arte é a forma poética de
expressar aspectos da vida. Por meio dela, comunicamos o cruel, o feio e o
encantador. O sexo, se tratado sem poesia e arte, além de grosseiro, é
broxante. A questão está no desinteresse pelo outro, vivemos a falência da alteridade,
do prazer compartilhado. A vida sexual dos internautas, robótica, solitária e operacional,
é um arremedo do prazer conquistado pelos amantes.
O orgasmo na era digital é cópia imperfeita do que muitos casais, no real
do sexo, já conquistaram. O capitalismo falsificou natureza, objetos, verdades.
Não satisfeito, passou a falsificar o amor, o prazer e o orgasmo. Desinteresse
é quando não interagimos, não participamos do banquete. É quando entramos
apenas como consumidores, não nos julgamos autores da obra, apenas
espectadores. Os jovens, ao tocarem apenas uma tela e dela extrairem prazer
sexual, perdem a oportunidade de construir uma grande história de amor.
O progresso tecno-ilógico dizimou a esperança do encontro amoroso,
esperança de vida feliz. Não falo de sonhos impossíveis, mas de felicidade
cunhada na prosa, no cotidiano das almas carentes de transcendência. Amor é
fantasia pra ser fantasiada, ilusão pra ser iludida. Sem isso, o sexo é osso
duro de roer. A violência entre os jovens revela a face maldita do mundo
pós-industrial. O romantismo perdeu sentido. Coisificaram o amor, reificaram o
sexo e objetivaram as relações. De coisa em coisa, cavamos o abismo ôntico.
Como recuperar a crença nos encontros, como torná-los “eternos enquanto durem”?
No antigo imaginário feminino, prazer é
picar couve, cantar e esperar o coração se descortinar, desvendando
descampados, superando erosões. O amor exige tempo, há de se descongelar os
sentimentos e decifrar as intermitências do coração.
O melhor do encontro é o que escapa, o que foge ao roteiro e nos envolve
em enredos inusitados. O elemento surpresa garante a intensidade do êxtase. A
literatura erótica conduz o leitor ao mundo fantasmagórico, enquanto nos vídeos
o usuário entra em contato direto com a imagem, limitando o campo da fantasia.
Erotismo é colocar poesia na pulsão, desviá-la do real. Sexo ao pé da letra. Coisa
gostosa é sentir arrepios quando somos invadidos, assaltados por um olhar
inesperado. Mas isso é outra coisa, é viagem feminina. E das antigas. Papo de
outrora, quando as mulheres iam para a cozinha embalar lembranças de uma noite
de amor. É quando elas descobrem que para gostar de panelas e fogão, primeiro precisam
ser feliz na cama.
Mulher sonha, sonha alto. E de repente acorda, coloca os chinelos e vai
colher girassóis. Ser mulher é profanar pecados. Maldição boa. Aquecer a alma
nas panelas - desejo iluminado que transcende. Arrepiar, chorar e lamber
lágrimas - quem não chora não sabe ser feliz. O choro prepara o rosto para o
riso. Chorar levanta a alma e desperta emoções que cochilam, cura tristeza, mau
olhado e desesperança. Na cozinha, enquanto se pica cebola, faz angu ... pulam-se
cercas e currais. Sedução é metáfora, é encantar o mundo com a linguagem de
dentro. Como nos lembra Adélia Prado: “Minha mãe achava estudo a coisa mais
fina do mundo. Não é. A coisa mais fina do mundo é o sentimento”.
O amor no feminino é busca eterna. Busca-se algo que transcenda o
cotidiano, o tempo ordinário que nos consome em sacolões, bancos, trânsito. Ela
quer olhar para o mundo e enxergar beijos, afagos, bossa nova, jantares a luz
de velas, viagens. Homens, isso é a mulher - ela não esquece o desejo de subir
montanhas, serras. É no topo do mundo que ela quer depositar o seu orgasmo, é
lá que o seu corpo anseia testemunhar prazer, o prazer de sentir o feminino
vasculhado pelo masculino. É nas alturas que ela quer reverenciar o êxtase de
tocar um pedacinho do céu.
Isso, invadam a sua alma, arrebentem as entranhas e acariciem as ilusões
de que, pelo menos naquele momento ela é única. Contudo, muitas garotas de
hoje, ávidas consumidoras de pornografia on-line, assistem às perversões mais
doentias. E isoladas, mergulham no simulacro de uma relação sexual, arremedo de
vida feliz. E, desacreditadas de que alguém possa levá-las ao orgasmo, se
viciam no prazer solitário. Vitimas do excesso de filmes de conteúdo explícito
que distorcem, estereotipam e espetacularizam o que deveria, com recato e na
penumbra, ser realizado em tempo real.
Nenhum comentário:
Postar um comentário