Inez Lemos [1]
Como prevenir para que os filhos resistam
às adicções - drogas, álcool, internet? A pergunta de uma mãe expõe o dilema que
muitas vivem. Iniciamos pelas substancias tóxicas. Como elas entram na vida dos
jovens? É possível identificá-las como um aditivo narcísico, um ponto de apoio,
um suporte. Elas chegam, muitas vezes, amparando uma crise de insegurança. Desconfiança,
medo, incerteza. O mundo está cada vez mais inseguro e as profissões cada vez
mais fragmentadas. Amigos, amores? Quem são? Festas ou baladas regadas a
remédios controlados? Nas casas noturnas consome-se, como estimulante, Ritalina
– medicação indicada no tratamento do chamado “déficit de atenção”. O ato
aponta gozo em transformar o lícito em ilícito.
Prazer ou a luta incessante em
escapar do vazio - pavor ao deparar com o caos interno. A dor é fato, toda
faxina nas entranhas causa medo, insegurança. Ninguém amadurece emocionalmente
sem enfrentar os leões que rosnam. O problema das adicções desvenda a fragilidade
descomunal identificada entre os jovens. A ferida narcísica, o Eu em frangalhos
enlaça o parceiro - objeto que promete anular a dor de existir. E revela a
necessidade de companhia na travessia. O vínculo com o objeto transforma-se em dependência. Como
tamponar o buraco no meio do caminho? Se a passagem da infância ao mundo adulto
e de responsabilidade não é tranqüila, se a ameaça diante da autonomia os
apavora, vale dizer que os jovens não estão sendo educados para assumirem o
duro fardo da existência?
A questão existencial caminha junto à
questão cultural, uma é efeito da outra. O pensamento é resultado das condições
materiais, ele não surge do nada. Vivemos a pós-industrialização. Se não há mais
emoção na aquisição de objetos de consumo, outros objetos devem ser solicitados
na busca por satisfação. Se o sensacionalismo está para além do consumo
ordinário, exigimos, cada vez mais, algo extraordinário. Como e onde garantir sensação e excitação, quando tudo se
tornou permitido?
A fissura se expande a outros
campos, outros tipos de adicção - além do alcoolismo e da toxicomania. As
paixões deslocaram-se. Muitas se tornaram tóxicas - o amor vampírico envolve
pactos sinistros e promessas mortíferas. Como apostar em um futuro marcado pelo
excesso e regado a venenos – drogas tarja preta? O olhar morto não vislumbra
esperança. Todo amanhã é devir que exige garra na construção. Diferente da vida
fácil, oferecida pelos pais. O barro da existência é amassado diariamente.
A fissura pelo máximo de prazer e sensação
infinita provoca alguns delírios, efeito de uma falha no conceito de prazer. Presenciamos
a loucura pelo fetiche, muitos são movidos pela ilusão de que estão sendo privados
de um grande encontro. Logo, percebemos confusão entre prazer e adrenalina, a
necessidade de se dopar e se anular com objetos maléficos. A fissura pela
entrega, pela fuga, denuncia a alma mutilada.
Na era cibernética, a massa é convocada por um líder que, de plantão,
controla, manipula e seduz o espaço virtual 24 horas. A sorte está lançada. Como
resistir aos convites? O uso do objeto é livre. Poucos pais regulam o tempo diante
das telas. Não há uma lei que proíbe o jovem de passar a noite diante de uma máquina.
O viciado em redes é um adicto, como o toxicômano ou o alcoolista. O internauta
não reconhece o vício, e os pais tampouco vêem inconveniente na adicção
virtual.
Adicção é a compulsão por um objeto.
O sujeito é dominado pelo ato repetitivo e irrefreável. Estabelece-se uma
relação compulsiva - determinada pela fissura de se entregar ao objeto em total
submissão. O corpo, escravo, obedece. Vários são os objetos de adicção ofertados
pela sociedade atual, além das drogas de ação psicotrópica e o álcool. Podemos
incluir: sexo, comida, tabaco, esportes, TV, computador, celular, trabalho, consumo,
academia, jogo, entre outros. A questão não está nos objetos, mas na relação
que se estabelece com eles, no uso que se faz deles. Uma vez que é utilizado de
forma saudável, pontual, cumprindo apenas o papel que lhe é devido, nada a
ressaltar. Contudo, quando o sujeito perde o interesse pelos outros objetos e
se fixa no mesmo, direcionando a libido sempre a ele, reduz-se o campo de ação.
Ocorre um empobrecimento do mundo externo e interno – uma vez que o viciado
perde a liberdade de decidir entre usar ou não usar o objeto. Quando não se é
livre para escolher, resta se submeter.
O psicanalista Decio Gurfinkel
resgata a raiz etimológica da palavra: “o adictu
era, na Roma antiga, a pessoa que, incapaz de saldar uma dívida, tornava-se
escrava do credor, como forma de pagamento. Em outros termos, trata-se da
antiga lenda do indivíduo que vendeu sua alma ao diabo, e ficou aprisionado e
refém de seu salvador/algoz”. A relação de alienação coloca os objetos de
adicção na posição de imprescindíveis. É quando ocupam a lugar da necessidade e
não do desejo, provocando distorção no
funcionamento pulsional. Se a relação com o objeto migra do desejo para a
necessidade, constata-se uma inversão na lógica do prazer. É neste momento em
que os convites se deslocam do: “vamos sair, conversar e tomar um vinho”? Para:
“vamos tomar todas”?
A adicção, grosso modo, pode ser
definida como o sintoma de um tempo em que o afeto, o pensamento e a reflexão
sofrem uma atrofia. A moda é o indivíduo operacional, a tônica está na ação e
não nos sentimentos. Lidar com as fantasias tornou-se banal. Banaliza-se a vida
interior, o foco é o desempenho. Todos são julgados pelo salário, pela
profissão, pelo corpo. Pouco vale a forma que escolheram viver, se estão
felizes, importa serem bem avaliados pelos auditores financeiros. Na lógica do
agir, ingerir e consumir, pouco tempo resta para sentir e pensar. Meio ao
excesso de teclas e botões, padece uma juventude carente de sentido.
Angustiados, lutam por sobreviver ao déficit simbólico a que estão relegados.
A obsessão limita os movimentos do
indivíduo, paralisando o olhar em uma só direção - congelando emoções e
sensações. O sintoma do mundo coisificado é o empobrecimento afetivo e
simbólico. O sangue corre para um só objeto, fazendo do obsessivo um
demissionário da vida emocional. Dominado pela dúvida, procrastina, adia. Viver
é apenas uma operação. Uma técnica a mais.
Pouca coisa vale além do mergulho mortífero no objeto – objeto causa de
fissura. Porém, sem um ponto de basta, sem ruptura na cadeia pulsional, resta
pouca esperança. Seja na impulsividade, agindo sem pensar, ou na obsessividade,
deixando de agir por pensar demais, ambos acusam desajuste - dessintonia com o
eixo subjetivo. A relação com o objeto de adicção sustenta o paradoxo – ao
mesmo tempo em que alivia, conforta e provoca sensação de proteção, acusa,
também, submissão à devoção e devoração do objeto - causado pela posição de
escravo.
O efeito passageiro do ato adictivo o
coloca na posição de objeto transitório e revela as conseqüências nefastas de
uma relação parental frágil e danificada. O vínculo que estabelecemos com os
objetos (drogas, álcool ou outros adictivos) denuncia a forma como fomos
acariciados e amados pelos pais. Quando há ruído nas relações familiares, o
sujeito fica exposto aos efeitos de um Eu fraco, mal enraizado e carente de
boas referências.
Para J. McDougall: “...a
necessidade de objetos externos em forma de sexualidade compulsiva ou de abuso
de drogas é evidência de colapso dos processos de internalização. Os atos
adictivos são incapazes de reparar a representação estragada, seja do pênis ou
do seio, no que se refere à sua significação simbólica. Aliviam a angústia
apenas temporariamente e, portanto, adquirem qualidade adictiva pelo fato de
terem de ser continuamente buscados”.
Se somos marcados pela forma com que
incorporamos vivências, afetos, se são eles que nos movem, aos pais resta o
alerta: educar filhos é função que exige muita dedicação e responsabilidade.
Não é tarefa para qualquer um. Muitos não querem arcar com tanto trabalho e
implicação. É fundamental diferenciar o desejo de torna-se pai ou mãe, do
desejo de cumprir com a paternidade/maternidade.
Se somos livres ao escolher entre ter ou não ter filhos, uma vez que os temos,
o dever é oferecer boas referências, lembranças enraizadas no afeto. A criança que
foi privada de uma relação boa com os pais, que incorporou fragmentos
danificados, é forte candidato às adicções. O adicto é um visionário. Além de idealizar
as qualidades mágicas do objeto, cria o conto de fadas para nele reinar. Quando
o objeto é mais forte que ele, acaba se submetendo às suas bruxarias.
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