por Inez Lemos
Namorar, demorar, morar. Namoro implica compromisso afetivo, sexual. Não estamos falando de fidelidade, mas de parceria entre dois que, unidos pelo desejo de habitar o coração do outro, propõem estabelecer um vínculo amoroso. Se namorar é verbo meio fora de moda, o que leva jovens à rua engrossando o coro dos solitários, descontentes com o rumo que as relações afetivas estão tomando? Cansaram-se da efemeridade das relações, quando bacana era “ficar” juntos sem compromisso? O Movimento dos Sem Namorado, veiculado na mídia há algum tempo, nos surpreende e merece reflexão. As palavras de ordem eram: “Cansei de ser sozinho” e “Quero namorar”. O que mudou na sociedade que leva uma multidão a reivindicar, em ato público, afeto e amor? O amor, ao se tornar palavra de ordem, revela estranhamento. Se sempre houve demanda por parceria amorosa, por que o namoro e o amor se tornaram raros? O que, na sociedade atual, contribuí para o fracasso do amor, do afeto?
Vivemos a sacralização da mercadoria quando a vida afetiva é contaminada pela lógica do consumo, do custo/benefício. Tudo incentiva o sucesso profissional, financeiro e não afetivo. As propagandas estimulam o desejo por objetos - não por pessoas. O amor se coisificou - o objeto de desejo é mais o carro do namorado que o próprio namorado. Como poderia ser diferente se esta geração foi educada e alfabetizada pela TV, absorvendo propagandas com imperativos categóricos como o “compre já”? A publicidade é elaborada por psicólogos, que se empenham para que a propaganda atinja as crianças de forma contundente. Há muito, o marketing utiliza psicólogos para fisgar crianças para o mundo do consumo, explorando a ingenuidade delas. Crianças e adolescentes, inseridos na mania consumista, dificilmente conseguem dela se livrar. Explorar a vulnerabilidade dos adolescentes é estratégia antiga. Lembramos que a adolescência é fase delicada da vida: inseguros, muitos apostam na aparência para solucionar conflitos e temores. Explorado, isso é rentabilidade garantida.
É comum ouvirmos que as crianças já nascem sabendo o que querem. Pouco adianta tentar demovê-las de seus desejos. Ora, se desde que nascem são bombardeadas pela indústria de marketing, propondo um estilo de falar e de se comportar, como poderia ser diferente? O grande mestre da atualidade é o publicitário, que nos dita a maneira de ser, de vestir e de pensar - sujeito desejante forjado na vídeomania. Desde cedo, somos convocados, como consumidores, ao lugar do gozo, a permanecermos na ilusão de completude pela via da aquisição. O que ocorre é a eternização na insatisfação. Consumir se tornou um ato de fé. Vamos ao shopping com a mesma fé com que antes íamos à Igreja.
O grande Outro da publicidade, com suas palavras de ordem, intromete-se em nossas vidas, influenciando gosto, desejo e escolhas. A indústria cultural de massa atua no psiquismo manipulando imaginários e mobilizando paixões. O laço social é promovido por um emissor de imagens que oferece uma identificação calcada no gozo sem limites. Gozo é quando temos prazer e desprazer. No ato da compra, descarregamos nossa pulsão sexual, ele nos eleva e nos deixa felizes por estarmos adquirindo algo. Uma ilusão de completude por alguns minutos, para depois voltarmos ao momento anterior de insatisfação. Quando não interrompemos a cadeia viciada de satisfação/insatisfação, quando não questionamos a compulsão que nos domina e nos leva às compras, nos eternizamos na repetição - sintoma que circula sob gozo mortífero. Saudável é agir fora do gozo. Para tanto, devemos saber mais sobre nossas pulsões, essa coisa que não cessa de se inscrever, de pulsar.
Ao analisarmos a demanda dos “sem namorados”, devemos fazê-lo em consonância com o momento que vivemos, quando o amor surge vinculado a objetos. Várias propagandas associam o casal apaixonado à mercadoria, transmitindo a idéia de que o amor só se realiza por meio da matéria - o sentimento é excluído da relação. O encontro amoroso é mediado pela linguagem, que vai fazer a conexão entre os dois enamorados. A linguagem se apresenta sob a forma de objetos que a cultura elege como representantes do amor - o carro, o vinho, a loira de cabelos esvoaçantes. A loira entra como metáfora da mulher amada - cultuada pela mídia como objeto de desejo dos homens. Os objetos ocupam o lugar da falta, a partir da qual o desejo circula. Significa dizer que somos estimulados a tamponar a falta de amor com objetos de consumo. A mercadoria entra em nosso imaginário como o objeto que simboliza o amor.
Quando substituímos a pessoa por mercadoria - a mulher ou o homem como acessório - o alvo é o objeto que opera como gozo. Nesse momento, o mestre da publicidade intervém na estrutura do desejo humano. Se algo no campo da parceria amorosa não vai bem, isso significa que a demanda deveria recair sobre a forma que a sociedade de consumo elegeu para viver os sentimentos, o afeto. Trata-se de questão anterior, estrutural. As garotas e os garotos não estão demandando apenas namorados, eles estão demandando um outro mundo. Um mundo que valorize os sentimentos, que acolha o desejo e a necessidade de amar e acariciar. Um mundo cujo mestre é o afeto. Consumir objetos não satisfaz as necessidades do coração - contente é o coração cheio de gente. O amor se torna supérfluo diante de tantas palavras de ordem emitidas pelo Outro do mercado. Diferentemente das histéricas freudianas, que não sabiam o que queriam, as moças de hoje pensam saber o que querem ao demandar objetos de consumo. Se soubessem não estariam na rua, reivindicando namorado.
Marx criou o conceito de fetiche (que Freud levou para a psicanálise) ao analisar o valor excessivo que os industriais passaram a atribuir à mercadoria, um brilho a mais para torná-la sedutora e enfeitiçar corações. Fetiche, feitiço. No mundo da mercadorização, o objeto de consumo é apresentado como condição indispensável para concretizar a relação sexual. A fantasia se deslocou do inconsciente para tudo que é vendido como objeto de desejo: carro, bebida, seios, bunda. Instaura-se a crença da satisfação via aquisição do modelo de vida veiculado pela mídia. Como se fosse possível um objeto capaz de acionar o desejo sexual entre duas pessoas, unindo-as em perfeita harmonia, sem conflitos, sem estranhamentos. A idéia romântica de almas gêmeas cabe bem em publicidade de carro e de uísque, mas no real do sexo deixa a desejar. No centro do fetiche está o deslocamento da pulsão sexual para o objeto, aquele que captura olhares sôfregos e desejosos de amor e de sexo.
A forma como nos relacionamos com os objetos revela aspectos de nossa sexualidade. Antigamente, ir às compras era ritual que incluía dia e hora. Tudo era planejado com antecedência, inclusive o dinheiro, pois, geralmente, as compras eram à vista - crediário era muito chato e demorava ser liberado, implicando carnês a serem pagos mensalmente. Com os cartões todo dia é dia de compras. Esperar, saborear. O dia de escolher o vestido da festa era uma epifania. A escolha dos objetos era um ato original, cerimonioso - quase religioso. Convocávamos os deuses e consultávamos as entranhas, pois a escolha equivocada implicava termos de usá-los mesmo assim.
O psicanalista Charles Melman recorre a Lacan para denunciar a devastação que o dinheiro provoca no sujeito quando esse ocupa o lugar do objeto perdido - lugar original, de onde emana o desejo: “Quando Lacan diz que o dinheiro é o significante mais aniquilante que há, ele não diz outra coisa senão que é o lugar onde todas as significações se anulam. É a operação onde se acha enfim dada a resposta à questão do ser, esse famoso “Que sou eu”? O que queremos obturar, ao aderirmos ao destino traçado pelo mestre do merchandising? Não é nada fácil recusar as ofertas de consumo, de endividamento, de estilo de vida e de ideal de afeto e amor que nos querem vender. Não é fácil descobrir o que realmente nos agrada e nos faz bem, o que está em consonância com a forma que gostamos de ser e viver.
“Em minha calça está grudada um nome/ que não é meu de batismo ou de cartório/ Um nome...estranho/...Com que inocência demita-me de ser/ Eu que antes era e me sabia tão diverso dos outros, tão mim-mesmo/ Ser pensante, sentinte e solitário”. Em “Eu, etiqueta”, Drummond manifesta sua indignação com as grifes que desapropriam o indivíduo de sua morada interior. Hoje, muitos jovens se sentem excluídos por não portar o tênis da moda, a jaqueta do momento. A ilusão da inclusão pela aquisição de mercadorias é devastadora e atesta o lamento do poeta, ao denunciar nossa inocência quando nos posicionamos como demissionários de nós mesmos, aderindo a modismos e a tendências. Afeto não é coisa para cair de moda.
Namorar, demorar, morar. Namoro implica compromisso afetivo, sexual. Não estamos falando de fidelidade, mas de parceria entre dois que, unidos pelo desejo de habitar o coração do outro, propõem estabelecer um vínculo amoroso. Se namorar é verbo meio fora de moda, o que leva jovens à rua engrossando o coro dos solitários, descontentes com o rumo que as relações afetivas estão tomando? Cansaram-se da efemeridade das relações, quando bacana era “ficar” juntos sem compromisso? O Movimento dos Sem Namorado, veiculado na mídia há algum tempo, nos surpreende e merece reflexão. As palavras de ordem eram: “Cansei de ser sozinho” e “Quero namorar”. O que mudou na sociedade que leva uma multidão a reivindicar, em ato público, afeto e amor? O amor, ao se tornar palavra de ordem, revela estranhamento. Se sempre houve demanda por parceria amorosa, por que o namoro e o amor se tornaram raros? O que, na sociedade atual, contribuí para o fracasso do amor, do afeto?
Vivemos a sacralização da mercadoria quando a vida afetiva é contaminada pela lógica do consumo, do custo/benefício. Tudo incentiva o sucesso profissional, financeiro e não afetivo. As propagandas estimulam o desejo por objetos - não por pessoas. O amor se coisificou - o objeto de desejo é mais o carro do namorado que o próprio namorado. Como poderia ser diferente se esta geração foi educada e alfabetizada pela TV, absorvendo propagandas com imperativos categóricos como o “compre já”? A publicidade é elaborada por psicólogos, que se empenham para que a propaganda atinja as crianças de forma contundente. Há muito, o marketing utiliza psicólogos para fisgar crianças para o mundo do consumo, explorando a ingenuidade delas. Crianças e adolescentes, inseridos na mania consumista, dificilmente conseguem dela se livrar. Explorar a vulnerabilidade dos adolescentes é estratégia antiga. Lembramos que a adolescência é fase delicada da vida: inseguros, muitos apostam na aparência para solucionar conflitos e temores. Explorado, isso é rentabilidade garantida.
É comum ouvirmos que as crianças já nascem sabendo o que querem. Pouco adianta tentar demovê-las de seus desejos. Ora, se desde que nascem são bombardeadas pela indústria de marketing, propondo um estilo de falar e de se comportar, como poderia ser diferente? O grande mestre da atualidade é o publicitário, que nos dita a maneira de ser, de vestir e de pensar - sujeito desejante forjado na vídeomania. Desde cedo, somos convocados, como consumidores, ao lugar do gozo, a permanecermos na ilusão de completude pela via da aquisição. O que ocorre é a eternização na insatisfação. Consumir se tornou um ato de fé. Vamos ao shopping com a mesma fé com que antes íamos à Igreja.
O grande Outro da publicidade, com suas palavras de ordem, intromete-se em nossas vidas, influenciando gosto, desejo e escolhas. A indústria cultural de massa atua no psiquismo manipulando imaginários e mobilizando paixões. O laço social é promovido por um emissor de imagens que oferece uma identificação calcada no gozo sem limites. Gozo é quando temos prazer e desprazer. No ato da compra, descarregamos nossa pulsão sexual, ele nos eleva e nos deixa felizes por estarmos adquirindo algo. Uma ilusão de completude por alguns minutos, para depois voltarmos ao momento anterior de insatisfação. Quando não interrompemos a cadeia viciada de satisfação/insatisfação, quando não questionamos a compulsão que nos domina e nos leva às compras, nos eternizamos na repetição - sintoma que circula sob gozo mortífero. Saudável é agir fora do gozo. Para tanto, devemos saber mais sobre nossas pulsões, essa coisa que não cessa de se inscrever, de pulsar.
Ao analisarmos a demanda dos “sem namorados”, devemos fazê-lo em consonância com o momento que vivemos, quando o amor surge vinculado a objetos. Várias propagandas associam o casal apaixonado à mercadoria, transmitindo a idéia de que o amor só se realiza por meio da matéria - o sentimento é excluído da relação. O encontro amoroso é mediado pela linguagem, que vai fazer a conexão entre os dois enamorados. A linguagem se apresenta sob a forma de objetos que a cultura elege como representantes do amor - o carro, o vinho, a loira de cabelos esvoaçantes. A loira entra como metáfora da mulher amada - cultuada pela mídia como objeto de desejo dos homens. Os objetos ocupam o lugar da falta, a partir da qual o desejo circula. Significa dizer que somos estimulados a tamponar a falta de amor com objetos de consumo. A mercadoria entra em nosso imaginário como o objeto que simboliza o amor.
Quando substituímos a pessoa por mercadoria - a mulher ou o homem como acessório - o alvo é o objeto que opera como gozo. Nesse momento, o mestre da publicidade intervém na estrutura do desejo humano. Se algo no campo da parceria amorosa não vai bem, isso significa que a demanda deveria recair sobre a forma que a sociedade de consumo elegeu para viver os sentimentos, o afeto. Trata-se de questão anterior, estrutural. As garotas e os garotos não estão demandando apenas namorados, eles estão demandando um outro mundo. Um mundo que valorize os sentimentos, que acolha o desejo e a necessidade de amar e acariciar. Um mundo cujo mestre é o afeto. Consumir objetos não satisfaz as necessidades do coração - contente é o coração cheio de gente. O amor se torna supérfluo diante de tantas palavras de ordem emitidas pelo Outro do mercado. Diferentemente das histéricas freudianas, que não sabiam o que queriam, as moças de hoje pensam saber o que querem ao demandar objetos de consumo. Se soubessem não estariam na rua, reivindicando namorado.
Marx criou o conceito de fetiche (que Freud levou para a psicanálise) ao analisar o valor excessivo que os industriais passaram a atribuir à mercadoria, um brilho a mais para torná-la sedutora e enfeitiçar corações. Fetiche, feitiço. No mundo da mercadorização, o objeto de consumo é apresentado como condição indispensável para concretizar a relação sexual. A fantasia se deslocou do inconsciente para tudo que é vendido como objeto de desejo: carro, bebida, seios, bunda. Instaura-se a crença da satisfação via aquisição do modelo de vida veiculado pela mídia. Como se fosse possível um objeto capaz de acionar o desejo sexual entre duas pessoas, unindo-as em perfeita harmonia, sem conflitos, sem estranhamentos. A idéia romântica de almas gêmeas cabe bem em publicidade de carro e de uísque, mas no real do sexo deixa a desejar. No centro do fetiche está o deslocamento da pulsão sexual para o objeto, aquele que captura olhares sôfregos e desejosos de amor e de sexo.
A forma como nos relacionamos com os objetos revela aspectos de nossa sexualidade. Antigamente, ir às compras era ritual que incluía dia e hora. Tudo era planejado com antecedência, inclusive o dinheiro, pois, geralmente, as compras eram à vista - crediário era muito chato e demorava ser liberado, implicando carnês a serem pagos mensalmente. Com os cartões todo dia é dia de compras. Esperar, saborear. O dia de escolher o vestido da festa era uma epifania. A escolha dos objetos era um ato original, cerimonioso - quase religioso. Convocávamos os deuses e consultávamos as entranhas, pois a escolha equivocada implicava termos de usá-los mesmo assim.
O psicanalista Charles Melman recorre a Lacan para denunciar a devastação que o dinheiro provoca no sujeito quando esse ocupa o lugar do objeto perdido - lugar original, de onde emana o desejo: “Quando Lacan diz que o dinheiro é o significante mais aniquilante que há, ele não diz outra coisa senão que é o lugar onde todas as significações se anulam. É a operação onde se acha enfim dada a resposta à questão do ser, esse famoso “Que sou eu”? O que queremos obturar, ao aderirmos ao destino traçado pelo mestre do merchandising? Não é nada fácil recusar as ofertas de consumo, de endividamento, de estilo de vida e de ideal de afeto e amor que nos querem vender. Não é fácil descobrir o que realmente nos agrada e nos faz bem, o que está em consonância com a forma que gostamos de ser e viver.
“Em minha calça está grudada um nome/ que não é meu de batismo ou de cartório/ Um nome...estranho/...Com que inocência demita-me de ser/ Eu que antes era e me sabia tão diverso dos outros, tão mim-mesmo/ Ser pensante, sentinte e solitário”. Em “Eu, etiqueta”, Drummond manifesta sua indignação com as grifes que desapropriam o indivíduo de sua morada interior. Hoje, muitos jovens se sentem excluídos por não portar o tênis da moda, a jaqueta do momento. A ilusão da inclusão pela aquisição de mercadorias é devastadora e atesta o lamento do poeta, ao denunciar nossa inocência quando nos posicionamos como demissionários de nós mesmos, aderindo a modismos e a tendências. Afeto não é coisa para cair de moda.
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