Inez Lemos1
O mundo todo já escreveu e cantou sobre a especificidade da sexualidade feminina e como
ela repercute no dia a dia das mulheres, promovendo rivalidades, olhares tortos, mal-estares. A
psicanálise entrou no debate. Freud contribuiu quando se debruçou sobre esse continente negro e
deduziu que, por não portar o significante fálico, a mulher se recente da falta e internaliza o lugar de
inferioridade. O pênis é apenas o representante do falo, o que não significa que os homens, por
portá-lo, ocupem o lugar do poderoso. Contudo, grande parte do mundo masculino assimilou que,
por possuir a vara da virilidade, merece prevalência, afinal, foi eleito por Deus. E, por trazerem o
significante do poder, pertencem ao gênero merecedor de privilégios e regalias. O machismo
provoca o preconceito contra a mulher. É quando a cultura reforça que o homem vale mais que a
mulher, insistindo em posturas e práticas sociais, que potencializam a desqualificação do feminino e
a valorização do masculino.
A maioria das mulheres é vítima dessa praga que infesta o mundo garantindo aos homens
direitos absurdos que revoltam e geram violência, injustiça e crime. Essa historia começa quando o
bebê nasce. Se for menino o tratamento será um, se for menina, outro. As mães dedicam olhares e
cuidados diferenciados - ao filho, a rua, os amigos de bola, menos deveres e mais direitos. Às filhas,
a corda justa - o espaço privado. A casa é o palco das brincadeiras de bonecas e casinhas. Assim ela
cresce e compara - o irmão pode mais; de pequeno já ganha foro privilegiado. E ela, para conquistar
um lugar melhor na família e na sociedade, tem que se desdobrar. As mães, ao absorverem a cultura
machista, reforçam nos filhos o lugar de superioridade, e nas filhas, de inferioridade.
Se o corpo da mulher é marcado pela ausência, é de se esperar que essa insignia irá
acompanhá-la pela vida afora. Ele tem, eu não tenho. Ele já nasceu com tudo, eu preciso conquistar.
Assim cresce a menina, marcada pela falta, se sentindo inferior, insegura e se ressentindo do lugar
de menos valia que o mundo lhe reservou. Cenário propício para a rivalidade feminina, uma vez que
somente quem não possui é que precisa lutar para adquirir. E quando se depara com uma outra que
possa lhe parecer poderosa e provocar ciúmes, estabelece-se a disputa. Quem é essa que soube
melhor que eu conquistar o falo?
“O que ela tem que eu não tenho”? “O que quer uma mulher”? “Uma mulher se veste para
uma outra mulher”. “A mulher não existe”. Todas as frases se referem a aspectos da sexualidade
feminina. E foram citadas por Freud e Lacan que, em seus estudos, tentaram explicar esse
continente obscuro, complexo e movediço. Nesse breve ensaio, tento esclarecer às amigas e
1 Psicanalista. Email:inezlemoss@gmail.com
mulheres por que, apesar de todo avanço da humanidade, ainda somos vítimas das maledicências
femininas. Por que somos alvo de comentários ferinos de irmãs, cunhadas, sogras, enteadas e
colegas de trabalho? Por que as mulheres odeiam tanto as mulheres? Por que os homens se sentem
no direito de agredi-las, violentá-las ou estuprá-las? Se a questão não é objetiva, só pode ser
subjetiva.
O senso comum despreza e subestima a dimensão do simbólico. O corpo incompleto da
mulher, quando comparado ao homem, deixa marcas no inconsciente feminino que dificilmente será
desvencilhado, sem um tratamento analítico. A mitologia elegeu o macho e seu órgão genital como
símbolo de virilidade, poder, competência e inteligência. A cultura é construída por mitos, que por
sua vez, formulam os discursos que permeiam na sociedade. O machismo é a narrativa que apregoa
a supremacia do macho sobre a fêmea. A prática social reforça a cultura e vice-versa. E as
sociedades de mercado, pautadas pelo consumismo, geralmente reforçam posturas conservadoras. O
individualismo burguês cresceu apregoando a monogamia, o poder do homem sobre a mulher, e a
exploração do capital sobre o trabalho. A grande maioria é individualista, machista e
patrimonialista.
Assim sendo, se as mulheres não procurarem um divã para nele se livrarem do lixo
simbólico que as marcaram, se elas não destilarem o ressentimento no qual estão mergulhadas,
dificilmente vão se livrar das insatisfações e rivalidades femininas. A mulher precisa fazer as pazes
com a sua falta, com o buraco que a move. Enquanto ela circular revoltada com a sua incompletude,
angustiada com o lugar de gata borralheira que contaminou seu inconsciente, representará perigo a
uma outra mulher. Sempre iremos destilar o ódio dessa herança maldita a uma outra esburacada.
Quem é essa que me ameaça? O que ela tem que eu não tenho? Já dizia o dito popular: “Quem
desdenha quer comprar.” Ou seja, só irá nos incomodar quem nos é ameaça. Será por que Marina
odiava Dilma? Ou a maioria dos políticos, por que não a suportaram no comando do país?
Portanto, mulheres, mesmo que uma outra esburacada se diz sua amiga, mesmo que ela finja
que não se incomoda com o tipo diferente de vida que você escolheu viver, e que por acaso é mais
interessante e emocionante que o dela, aguarde, pois um olhar de desprezo poderá lhe ser
direcionado. Quando uma mulher, em suas fantasias, julgar que você desfruta da vida mais que ela,
é provável que, mesmo sem saber, você está alimentando a competição – o gozo da histérica.
Aquela que ainda não conquistou o falo e ainda se recente de sua ausência em seu corpo. O que irá
colocá-la na posição de vítima do ciúme maldito que a fantasia de faltosa lhe provoca.
Ressentidas, ciumentas, esburacadas e incompletas, por favor, procurem um bom divã e
operem a travessia, se livrem dos fantasmas edípicos, façam as pazes com os atavismos que nos
tentaram impor. Livremos da falácia da supremacia do masculino que insiste em desqualificar o
feminino. Enquanto os homens vivem a fantasia de ter o falo, confundindo o pênis com o
significante do desejo e do poder, nós, mulheres, crescemos sabendo que não o temos. Todavia, por
não o tê-lo, nos resta lutar para conquistá-lo. E quando o conquistamos, nos tornamos alvo de
olhares maldosos e comentários perversos. Desprezadas pela outra que se fixou no gozo, petrificouse
no ressentimento e se paralisou na vingança. O importante é saber nomear todos esses sinais, é
tentar evitar brigas, barracos e inimizades. O melhor é nos prevenir da rivalidade feminina.